O ruído da Ágora

Por Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati

Ágora era o local de reunião pública dos cidadãos na Antiga Grécia. Um lugar ruidoso, onde se discutiam e se ouviam as vozes mais iluminadas. Por isso mesmo penso que se justificou uma excepção a uma promessa que tinha feito: nunca escrever aqui sobre futebol, justiça ou política. A Ágora parecia o TICÃO na passada 6f a propósito da decisão do Juiz Ivo Rosa sobre a operação Marquês. Um tribunal não é uma Ágora, embora aquele de facto parecia e os meios de comunicação e as redes sociais (a seguir) converteram-se mais numa arena do que numa Ágora. E deveriam ser uma Ágora!

Se em minha opinião houve corrupção, parece-me que sim, e gigantesca!!!  Se o antigo PM devia ser julgado, deveria sem dúvida. Pois sós os tribunais devem julgar. Mas este não é um assunto da Ágora mas dos tribunais. Até porque o Sr Juiz acredita que “houve corrupção, compra de simpatia e mercadejar do cargo de PM”; afirmou portanto que o antigo PM foi corrompido, por isso pronunciou o arguido pelas consequências da corrupção no crime de branqueamento de capitais e falsificação de documentos (pois a corrupção precedente já tinha prescrito). Anunciando um novo crime, que o acusador nunca pensou: na corrupção do amigo ao antigo PM. E acusou nos 6 crimes que não prescreveram ainda, aqueles em que acredita existirem provas inequívocas e não fantasias ou opiniões do Sr Procurador. Que no limite têm uma pena de 12 anos, embora em cúmulo jurídico possa ser bastante menos.

Julgo que as grandes críticas da Arena se deveriam dirigir:

– à Procuradoria que durante 6 anos investigou e acusou mal, sendo a sua lentidão uma causa do populismo que este caso proporcionou, acrescido pelas fugas de justiça inacreditáveis;

– ao Sr Juiz que suportou a investigação de forma quase “vingadora” (que ainda por cima pensa-se que possa ter havido manipulação na nomeação);

– à lei sobre corrupção do momento, que era uma farsa tolerante para quem fosse corrupto (para além da dificuldade de prova tinha uma pena máxima de 5 anos – pasme-se-, portanto um prazo de prescrição de 5 anos).

– ao erro dos meios de comunicação que converteram este processo no caso de populismo que se viu; um processo que a arena pretende tornar num julgamento público que julgue o estado assente no modelo político-partidário que temos; bem como finalmente fazer com que “os ricos de colarinho branco” sejam presos.

– a todos aqueles do sistema judiciário que na semana passada, criticaram a existência do TICÃO assente em apenas 2 juízes, com perspectivas garantisticas totalmente opostas; mas que sustentaram este modelo durante anos, contradizendo-se totalmente. Como que a defenderem-se preventivamente desta decisão, a referir “eu apesar de ter estado calado quando estava em funções, afinal não tenho nada a ver com isto”!

Acusar baseado em opiniões e falta de lógica e provas do Sr Procurador só não quereríamos se fôssemos nós.

Acusar alguém por um crime que já prescreveu só não quereríamos se fôssemos nós.

Ter um juiz vingador a investigar só não quereríamos se fossemos nós a ser investigados.

Permitir a violação do segredo e que em consequência alguém seja “queimado em lume brando”, só não quereríamos se fôssemos nós.

Por isso, para garantir os direitos, existe a instrução (pedida como meio de defesa pelos arguidos), o julgamento e os recursos garantísticos subsequentes. A instrução serve exatamente para aferir se existe ou não matéria de facto e provas para julgar os arguidos. Este não é um julgamento. Não a Ágora e muito menos a arena. Se tivermos um juiz vingador a dirigir a instrução, preparemo-nos para prender inocentes também, e pagar muitas indemnizações por arguidos mal presos preventivamente e fugas de segredo de justiça recorrentes que ninguém entende.

A Ágora promove a opinião e deve querer que a justiça funcione, de forma rápida e eficaz. O que  queremos é que este julgamento não decorra com a lentidão normal; e não podemos aceitar é que estes 6 crimes em julgamento prescrevam. Muito menos que existam 2 julgamentos em paralelo, através da figura da apensação e processos e da economia jurídica, bem como do bem estar da sociedade.

Miguel Torga caracterizou como ninguém como NÓS somos :” somos socialmente, uma colectividade pacífica de revoltados”

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