O princípio da reciprocidade “windfall”
Por Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati
Piperis in asino et aliis, est refrigerium
O secretário-geral da ONU, António Guterres, acusou as empresas de petróleo e gás de obter lucros “excessivos” com a crise de energia desencadeada pela guerra na Ucrânia, chamando-a de “imoral” e apelando aos governos para tributarem os lucros dessas empresas. Apesar de serem lucros legais e lícitos sujeitos a tributação, uma das maiores da Europa. Mas também a actividades económicas que sofrem com mais de 4300 taxas que existem em Portugal. E para os que concordam com este imposto extraordinário chamado de “windfall” têm de aceitar que haja reciprocidade em todo o processo de um imposto extraordinário. Mas antes deveriam informar-se e saber que já existe uma taxa extraordinária sobre algumas áreas económicas que surgiram no tempo do FMI ou poucos anos depois de forma reduzir o deficit. Taxa extraordinária (ou seja deveria ser pontual) que dura há 12 anos para a banca e 8 anos para as empresas de energia e farmacêutica (mesmo quando não tivemos déficit). Se há quem veja razões que justicam a implementação de uma taxa desta natureza, como o facto de parte do aumento dos lucros poder ser explicada por políticas públicas (no caso da banca por causa do fundo de resolução) ou a necessidade de financiar o estado que “suga os recursos” em impostos para “engordar de forma anafada”.
Mas a chamada “windfall tax” (isto é, uma taxa sobre lucros “caídos do céu”, ou “inesperados”), acarreta sérios riscos:
- O que são ganhos inesperados? o conceito de ganho “inesperado” não é facilmente definido a não ser que queiramos uma economia planificada como nos antigos países comunistas. Bem sei que qualquer lucro, para alguns, é “pura ganância” mas nem vou levar estes em consideração.
- Esta áreas (energia assim como a banca e farmacêutica) já pagam uma taxa extraordinária (para além de todos os impostos) que se tornou ordinária, desde 2010 (banca) e 2014 (energia e farmacêutica) sobre a sua actividade, que não é mais que um imposto inconstitucional e discriminatório. Pretende-se agora que se crie um imposto extra em paralelo com uma taxa extraordinária já existente?
- Existe um Risco real de descapitalização dos sectores (num momento em que a banca, por exemplo) deveria reforçar os rácios de capital para fazer face ao previsível aumento do incumprimento no crédito. Ou a energia para investir nas energias renováveis. Ou a farmacêutica para investir em I&D como a das vacinas covid.
- Quando as empresas tiverem resultados negativos resultantes de factores negativos “caídos do céu” e que não tenham relação com a gestão (como o covid), os estados passam a ter que subsidiar os resultados negativos das empresas, seguindo o mesmo racional. Como aconteceu com a Galp que teve prejuízos de 42 milhões em 2020. O fecho das operações de refinação de Matosinhos (por estratégia do estado) custou 200 milhões à petrolífera. As vendas de produtos petrolíferos caíram 28% em 2020, o que se explica com uma “menor procura derivada do impacto económico da pandemia”. Ou seja uma “windfall crisis”, mas o estado não compensou a empresa pelo resultado negativo, não tendo respeitado então o princípio da reciprocidade.
- Existem outras empresas e áreas económicas com lucros extraordinários, porquê taxar apena esta área da energia? Violando o princípio da igualdade, básico num regime democrático.
- O estado ganhou mais 1.313 milhões de euros no primeiro semestre apenas em 2 impostos (IVA e IRC) por causa da inflação (um verdadeiro “windfall assalt”) e não deu o exemplo a baixar o IVA, ou pelo menos a devolvê-lo sobre a forma de apoios sociais. Ou seja não foi recíproco no princípio, nem sequer coerente nas suas políticas. Porquê penalizar as empresas quando não se dá o exemplo?
As empresas servem para ganhar dinheiro, criando emprego, gerando inovação e pagando impostos. Ganha-se e perde-se! Não podem é os investidores e empresários ficar dependentes de “opinadores e decisores” que não gostam do lucro, nunca produziram nada, odeiam a livre economia e apenas querem acabar com os ricos (e não acabar com os pobres). Essa é a maneira mais simples de afastar o investimento directo estrangeiro que tanto queremos, o empresarialmo e o empreendedorismo, promovendo a imprevisibilidade e gerando desconfiança!
Mas o princípio de reciprocidade e coerência também deveria servir para o secretário geral da ONU, que acumula legalmente uma subvenção vitalícia, uma pensão de aposentação e o seu salário na ONU (ou seja um “windfall salary”). Corresponde a um direito que António Guterres tem e que está devidamente enquadrado pela legislação portuguesa (Como os lucros das empresas, mesmo os extraordinários). No total, os seus rendimentos ascendem aos 27.220,77€ por mês (sg o site do “polígrafo” em 2019 e o site “inconveniente” em 2021 que acredito serem verdadeiros, embora só o salário e a subvenção bastassem e fossem escandalosos para mim). Ou seja 38,6 salários mínimos (705€ mensais) por mês. Não seria esta também uma situação de “imoralidade” face aos baixos salários portugueses? Não seria também legítimo ao Sr secretário geral pedir para ser tributado extraordinariamente ou ter de escolher entre salário ou pensão/subvenção?
Fica para reflexão em latim: “piperis in asino et aliis, est refrigerium”!