O mercado de trabalho – uma novidade?

Por Pedro Fontes Falcão, gestor e Director do Executive MBA do ISCTE

No mês passado escrevi sobre o surgimento de plataformas digitais com trabalhadores “gig” / “freelancers” com elevadas competências, que começam a estar mais disponíveis nessa espécie de “bases de dados” de talento.

Um estudo realizado antes do surgimento da pandemia surpreendeu pelo facto de que a grande maioria dos administradores de grandes empresas considerava que iriam usar essas plataformas e que poderiam ser algo ou muito importantes para obter uma vantagem competitiva nos próximos anos.

Será que este modelo de quadros qualificados com parte temporários e parte efetivos vai ajudar os gestores a terem o talento certo no projeto certo no momento certo?

O modelo não é fácil de implementar em países como Portugal. Por um lado, a rotação de empregos é menor que nos EUA e a maior facilidade com que as empresas despedem nesse país leva, entre outros, a que os trabalhadores vejam a relação com as empresas de forma mais flexível. Num contexto como em Portugal, os temporários podem ser mais facilmente vistos como os “outros” e não como parte da equipa.

O timing atual da “ressaca” do final de pandemia também pode não ser o melhor. Embora, por um lado, as empresas queiram mais flexibilidade, depois de se aperceberem que as receitas podem ser mais voláteis do que se esperava antes da pandemia, querendo aumentar a “variabilização” dos custos, reduzindo a proporção de custos fixos. Esta perspetiva beneficia o negócio de quadros qualificados temporários.

Contudo, por outro lado, a preocupação com a gestão da cultura organizacional também aumentou, especialmente tendo em conta que as pessoas não têm estado todas em simultâneo no mesmo espaço físico, e que os trabalhadores recrutados no último ano e meio nunca estiveram fisicamente juntos com quase nenhum colega.

Ora, neste contexto, estar a acrescentar complexidade à gestão da cultura organizacional ao introduzir elementos “estranhos” à mesma não é positivo. Ademais, há poucas culturas organizacionais abertas a receber bem trabalhadores qualificados temporários.

Para além da cultura organizacional, será necessário rever políticas e processos chave na gestão de talento. Por exemplo, a identificação de perfis, o processo de recrutamento, de remuneração, de finalização do contrato, entre outros. As questões de remunerações podem tornar-se um tema mais sensível e difícil de gerir. A nível de outras políticas, levantam-se questões como o acesso a informação e outros deveres e obrigações de um trabalhador “normal”.

Os gestores terão de conseguir gerir estes dois tipos de trabalhadores, e conseguir juntá-los e formar equipas produtivas e focadas em criar valor numa perspetiva de longo prazo. À primeira vista, não parece uma tarefa fácil.

Finalmente, deverá haver um administrador que deverá ser o responsável pelo processo de transformação, para poder dar mais força a esse processo de mudança.

Há muitos anos, estive na equipa de um projeto semelhante a este (mas mais focado em restruturação de empresas) que acabou por não ter sucesso. E continuo a achar que este negócio não se consiga facilmente impor em Portugal nos próximos tempos. Mas pode ser que eventual “moda” dos EUA cá chegue…

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