O melhor caminho para a mobilidade é feito no plural

Por Ana Calhôa, Secretária-Geral da Associação de Bioenergia Avançada

Na Europa, os transportes são responsáveis por cerca de 25% da poluição registada – só os veículos rodoviários, ligeiros e pesados ocupam 75% desse total. A urgente resposta às metas e diretivas europeias rumo a emissões líquidas neutras nas próximas décadas pressiona todos os players e, por isso mesmo, é necessário olhar com maior atenção para a resposta acessível, imediata e eficaz que se materializa na pluralidade das misturas mais ricas de combustíveis sustentáveis, tais como os biocombustíveis a partir de resíduos, os combustíveis de baixo teor de carbono, o biometano e outros combustíveis verdes.

Produzidos a partir de resíduos e, portanto, matéria que não envolve nova extração nem impacto carbónico, estes biocombustíveis podem reduzir mais de 84% as emissões poluentes na mobilidade, enquanto contribuem com 95% de Valor Acrescentado Bruto para a economia nacional. A melhor parte? Já existem casos bem sucedidos – e tão inspiradores que colocam Portugal no pelotão da frente como exemplo a seguir na Europa – e outros projetos-piloto em desenvolvimento para alargar esta produção e generalizar o consumo destas energias.

Um dos grandes desafios neste processo reside, desde logo, no quadro legislativo, que deve cada vez mais acolher e fomentar a produção destes combustíveis verdes para os potenciar como alternativas de relevo ao tradicional fóssil, assim como aproximar o país dos casos de sucesso europeus. A capacidade produtiva nacional está a ser utilizada em cerca de 40%, e ainda existem vários projetos de construção de novas fábricas em desenvolvimento, o que abre um leque de oportunidades para trabalhar, de forma mais próxima, com todos os responsáveis, operadores e decisores para aproveitar este potencial da melhor forma.

O apoio legal, a informação, as medidas e os incentivos devem ser dirigidos precisamente aos operadores em toda a cadeia de valor dos combustíveis verdes se os queremos consolidar como primeira opção na hora de abastecer os nossos veículos. Em linha com quadros regulatórios europeus, como a REDII, torna-se essencial que a transposição das medidas acompanhe a realidade de cada país, tendo em conta o seu contexto e constrangimentos para transformar adversidades em oportunidades.E já existem esforços neste sentido. O PNEC 2030, por exemplo, é um dos planos mais ambiciosos para o cenário da energia e do clima em Portugal, com metas essenciais para reduzir não só os gases com efeito de estufa (45% a 55%) mas também potenciar o recurso a energias renováveis e eficiência energética (45%), onde os países da UE terão de aumentar para 29% a percentagem de energias renováveis na energia utilizada pelo setor dos transportes. Neste sentido, é um passo importante para elevar a condição dos combustíveis verdes enquanto alternativa imediata, acessível e eficaz para alcançar as metas de neutralidade carbónica.

Importa ainda destacar que, quando falamos da acessibilidade a estas energias verdes, estamos a referir-nos à possibilidade de as utilizar nos veículos, pesados e ligeiros, com motor a combustão já em circulação e que representam cerca de 100 mil milhões de euros em Portugal. Deste modo, há um impacto positivo também para o consumidor e operadores de transportes, bem como para a extensão da vida útil dos veículos, uma vez que não é necessário fazer uma troca morosa, dispendiosa e ambientalmente nociva de frotas inteiras para transporte.

Outro desafio passa também pelo esclarecimento dos responsáveis e players no setor.

Os resíduos produzidos em Portugal revelam precisamente isto: como indica a PORDATA num estudo divulgado no início de junho, ainda há um longo caminho a percorrer na gestão destes resíduos. Aqui reside, então, uma oportunidade para contribuir, positivamente, para esclarecer alguns “mitos” e fornecer informações atualizadas sobretudo sobre os biocombustíveis produzidos a partir de resíduos e outras matérias avançadas. Aproveitando o potencial energético de resíduos como óleos alimentares usados, borras de café ou gorduras fora de validade, o setor da bioenergia está a promover a economia circular ao reintroduzi-los como matéria prima para geração de energia com baixo teor carbónico.

Em conclusão, com as ferramentas, a informação, as medidas e o apoio certos, é possível transformar o setor dos transportes pesados, que representa hoje cerca de 60% do CO2 e da energia consumida na mobilidade, através da maior oferta de misturas enriquecidas com biocombustíveis de resíduos e outros avançados.

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