O BCE devia fazer “mea culpa”

Por Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati

Esta crise de hiperinflação já era previsível, agravada pela Blocalização das cadeias logísticas, o aumento dos custos da energia, a guerra na Ucrânia e a pandemia de covid que afectou a produção de algumas matérias primas. Mas era previsível por quem? Pelo próprio BCE. Esta instituição foi fundamental durante a anterior crise financeira. Perante o risco de deflação, expandiu o seu balanço e injectou dinheiro na economia. Mas por um período longo de tempo, de 2014 a 2018. Queria gerar inflação muito próxima dos 2%.
Perante o risco de deflação na Zona Euro, o banco central comprometeu-se no final de 2014 a expandir o seu balanço em 1 bilião de euros, para os três biliões até ao final de 2016, numa altura em que as taxas de juro já estavam a zero ou perto disso. Com esta expansão monetária o banco central queria, na prática, gerar inflação. Emprestou dinheiro aos bancos em maturidades longas e a juros baixos e medidas de alívio quantitativo ( “Quantitative Easing”). O BCE injectou directamente dinheiro na economia comprando activos, criando artificialmente a circulação de dinheiro, atingindo o pico de 80 biliões de euros em 2016 e ainda de 15 biliões em 2018. Os riscos dos efeitos negativos do “quantitative easing” podem ser maiores do que os efeitos positivos gerados por ele no curto prazo. Nomeadamente o fenómeno de hiperinflação e o risco de desvalorização da moeda (que também aconteceu). Riscos conhecidos por todos os economistas. Necessários mas previsíveis. Por isso a Presidente do BCE deveria “bater na boca” quando refere que não quer um aumento da inflação a médio prazo e quer “rapidamente” redução das medidas de apoio dos estados aos cidadãos. Quer empobrecer as pessoas para reduzir o poder de compra, reduzir a procura e baixar os preços na oferta. Através do aumento da taxa de juro como medida de redução da inflação. As taxas Euribor subiram tanto que já atingiram os níveis de 2008, dado que se fixaram em fevereiro entre os 2,5% e os 3,5%. O que devia estar e era conhecido, no algoritmo do BCE, tinha sido a gigantesca injeção de dinheiro feita para além da crise até 2018. O que não estava no algoritmo, foi a pandemia que gerou uma contração da procura, redução do PIB, uma elevada a taxa de poupança (dos portugueses foi de 12,6% em 2020 e 10,9% em 2021) do rendimento bruto disponível, a disrupção das cadeias logísticas causadas pelo lockdown, que afectaram a oferta. Também não estava no algoritmo, o aumento do custo da energia e de algumas commodities causadas pela guerra da Ucrânia. Só que os bancos centrais reagiram a este novo paradigma inicial da pandemia, imprimindo dinheiro para injectar na economia, estimulando a procura, numa altura de redução da oferta e queda do PIB dos países. Foi depois lento a reagir. E segundo Mervyn King (ex Presidente do Banco de Inglaterra) a política monetária dos bancos centrais, é a culpada por cerca de metade da inflação. Devia por isso fazer “mea culpa”.
E não sabe ainda quando vai parar de aumentar a taxa de juro pois as variações salariais podem anular o efeito da subida da taxa de juros. E ainda criar uma recessão mais grave do que a inflacionária. Este risco não é só de uma recessão, mas também de uma crise financeira e bancária grave. O dilema tornou-se claro com a falência do SVB nos EUA e com as diculdades sentidas pelo Credit Suisse. Existem riscos de perdas avultadas em investimentos de risco , como no Credit Suisse, questões acerca do reconhecimento da fragilidade do modelo de avaliação e reporte dos riscos financeiros exigido pela SEC. Num período sensível de aversão ao risco, existem grandes saídas de recursos de clientes, logo os bancos podem ser forçados a desfazer investimentos próprios, assumindo as perdas. Foi o caso do Silicon Valley Bank, forçado a vender obrigações do Tesouro norte-americano, tendo perdido muito valor devido à subida das taxas de juro por parte da Reserva Federal.
Ou seja pode estar a formar-se a tempestade perfeita: económica, monetária e financeiramente.
No entanto a taxa de poupança já está nos níveis de 2008 (5,1% do RBD em Portugal) absorvida pelo aumento de 2% do consumo privado. O que significa que o poder de compra já baixou e estamos todos mais pobres. Logo a procura vai baixar. Os custos da energia também já estão a níveis anteriores à crise. Mas a reversão está a ser muito lenta e, como disse, o risco de recessão é elevado. Assim como de instabilidade social.
Provavelmente em cenários novos, vale a pena avaliar se as “velhas medidas” são eficazes!


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