O analfabetismo não é o único indicador

Por Pedro Fontes Falcão, gestor e professor de Negociação e de Corporate Governance

Há quem fale com orgulho que Portugal tem uma taxa de analfabetismo muito baixa. Mas isso não é suficiente para que tenhamos uma população qualificada. Acima do alfabetismo, vem a questão da literacia. Esta é ampla e pode cobrir aspetos como entender uma tabela de horários de um comboio (ida e volta).

Numa parte específica da literacia, um estudo sobre a percentagem de adultos que têm literacia financeira, realizado pelo “Global Financial Literacy Excellence Center, mostra que os portugueses são dos piores da Europa. Atrás de nós só estão a Albânia, Macedónia, Kosovo e Roménia. Face aos 26% de adultos portugueses que têm literacia financeira, Espanha tem 49%, praticamente o dobro. Portugal está abaixo da média mundial de cerca de 33%. Contudo, há um questionário da OECD/INFE, realizado em 2020 para um grupo de países que incluía Portugal, que já dá uma avaliação média a Portugal. Estranha divergência de resultados…

Começo com um enquadramento que em 2018, em Portugal havia uma falta de capacidade de fazer face a despesas inesperadas em que mais de um terço (34,7%) da população portuguesa não conseguia responder financeiramente a uma emergência (fonte Pordata).

No caso dos EUA, a FINRA reportou que a literacia financeira tem diminuído nos EUA, especialmente agravado no caso dos millennials. No caso específico dos EUA, é um aspeto grave pois muitos estudantes (na grande maioria, os mais carenciados e provavelmente com menor literacia financeira) pedem empréstimos para fazer as suas licenciaturas ou mestrados, e acabam por ficar endividados por muitos anos, com dívidas crescentes que lhe prejudicam seriamente a vida em termos financeiros (e muitas vezes, também profissional, social e familiarmente). Em Portugal, o volume de empréstimos para estudantes é muito menor e provavelmente com melhores condições, pelo que ainda não é um problema. Para além dos EUA, na média dos países desenvolvidos, o grupo dos 15 aos 35 anos tem menor literacia do que o grupo dos 36 aos 50 anos.

Mas Portugal tem uma boa notícia neste aspeto. Desde há vários anos que os resultados de matemática do PISA – Programme for International Student Assessment dos alunos portugueses é muito superior ao que se esperaria de uma população com tão baixa literacia financeira, o que indicia que os jovens terão maior literacia financeira ao se tornarem adultos e façam subir a média geral da população adulta, que é muito baixa.

Um aspeto que não tenho dados para Portugal é sobre a divisão por sexo. Na maioria dos países, as mulheres têm pior resultado que os homens. Era importante saber o que acontece em Portugal para se poder afinar melhor as políticas a desenvolver nesta área.

Ora havendo tantas pequenas e microempresas em Portugal, a capacidade de gerir essas empresas é diminuta se não houver uma boa literacia financeira, desde a avaliação da viabilidade dos negócios, a projeção de cash-flows, a gestão da tesouraria, a análise de crédito, entre outros. Também como colaboradores de empresas, a falta de qualificação a este nível prejudica a atração de investimento em setores qualificados, uma peça chave para o desenvolvimento económico.

A qualificação da mão de obra é essencial e as políticas públicas deveriam ter em conta melhorar rapidamente o nível de literacia financeira dos portugueses.

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