Muito se tem falado sobre o Lítio…

Por Luís Gil, Membro Conselheiro e Especialista em Energia da Ordem dos Engenheiros

Muito se tem falado sobre o lítio nos últimos dias… mas não pelas melhores razões. Questões políticas e judiciais à parte, muito também há ainda para refletir noutras vertentes neste domínio.

As sociedades modernas têm sido impulsionadas pela combustão de combustíveis fósseis, mas os danos ambientais relacionados conduziram-nos a um ponto crítico, como é reconhecido pela maioria das pessoas e instituições que se dedicam a este tema. A urgência em virar agulhas para fontes de energia adequadas a um futuro ambientalmente menos problemático – e aqui não só no que diz respeito a questões ambientais – é por demais evidente.

No centro desta transição estão, de momento, as baterias de ião de lítio, o que provoca uma “sede” por este leve e pouco denso metal, que tem crescido exponencialmente. Por isso se tem colocado a questão de saber se haverá lítio suficiente para tanta procura.

De acordo com os dados da US Geological Survey (USGS), a produção de lítio aumentou significativamente nas últimas duas décadas, duplicando a cada oito anos. Mesmo assim isto pode não ser suficiente pois prevê-se que a procura possa mesmo vir a exceder esta oferta aumentada.

Todos temos também sido invadidos com informação sobre ambiciosos planos de fabricantes automóveis e até de governos por esse mundo fora com projeções de mais e mais veículos elétricos, o que conduzirá a uma maior procura de lítio, pressionando as fontes e o aumento do respetivo abastecimento. E mesmo quem utiliza os transportes públicos ou outro tipo de locomoção, não deixa atualmente de utilizar muitos dispositivos que utilizam baterias de ião de lítio, como o indispensável telemóvel!

Porém nem tudo são más notícias. A mesma USGS indica que as reservas globais conhecidas de lítio têm também aumentado de forma estável, através da descoberta de novas reservas. Além disso, futuramente a reciclagem do lítio desempenhará um importante papel neste abastecimento. Existem, para além disso, fontes alternativas do lítio como seja a partir da água do mar, mas cuja custo é atualmente ainda muito elevado. E novas tecnologias de baterias que utilizam outros materiais.

Há contas fáceis de fazer para nos apercebermos destas questões. Se considerarmos uma bateria média de um automóvel de 100 kWh, com 100 g (há quem fale em 170 g) de lítio por kWh, precisamos de 10 kg (17 kg) de lítio por viatura. Com este valor, face às reservas conhecidas, especialistas referem que poderiam ser fabricados cerca de 6-10 mil milhões de viaturas.

Assim a curto médio prazo o risco de virmos a ficar sem o lítio necessário parece poder ser contrabalançado pelos motivos apontados. Mas para isso há que explorar as reservas conhecidas.

Naturalmente que essa exploração terá que ser feita de acordo com todas e as mais restritivas regras ambientais, de ordenamento do território, económicas e sociais. Nisto não há qualquer dúvida nem cedência. Mas não se pode pensar em não explorar um recurso tão necessário. Se não pensemos. Alguém está contra a produção de alimentos em áreas agrícolas que antes de o serem eram áreas selvagens e o habitat de inúmeras espécies vegetais e animais? Na idade média, grande parte do nosso país era floresta ou baldios, onde a caça era um recurso muito importante para as populações. Por exemplo, os atuais olivais e as searas do Alentejo, eram então zonas de montaria e de apanha de cogumelos e bolotas. Com o crescimento da população, muitas dessas áreas, foram transformadas em áreas agrícolas e de produção mais ou menos intensiva. Se alguém então tivesse travado esta transição, como se alimentaria a crescente população e se desenvolveria o país?

Saliente-se também que a Agência Internacional de Energia, estima um aumento da procura dos minerais em geral relacionados com a transição energética para se atingir a meta de emissões zero em 2050. Mas, embora as consequências dessa procura como os impactos ambientais e sociais levantem preocupações, na verdade não tem sido feita uma comparação com as atividades de mineração correntes ligadas ao atual sistema energético dominado pelos combustíveis fósseis, como a mineração do carvão, por exemplo, que diminuirão, para além do importante contributo da reciclagem. Num estudo muito recente publicado em outubro passado, é mesmo referido que a transição energética requererá no futuro substancialmente menos mineração do que no atual sistema baseado em combustíveis fósseis.

 

 

Ler Mais