Liberdade. Doce liberdade…

Por Manuel Lopes da Costa, Empresário

Finalmente desconfinámos. Foi uma explosão. Pelas ruas e pelas esplanadas, cansados de estarem fechados, os portugueses deram largas à imaginação e saíram à rua. Como bons portugueses que somos, infelizmente, deram-nos a mão e agarrámos logo o braço todo. Nas últimas 72 horas, tive a ocasião de presenciar situações absolutamente caricatas como a de um grupo de vinte alunos do secundário, religiosamente sentados em mesas de quatro separadas por uma distância entre elas em que não cabia uma mão travessa, e em que, cada vez que chegava um novo conviva, este ia cumprimentando todos com um par de beijocas e abracinhos tão populares neste cantinho à beira mar plantado. Como diria o Diácono Remédios: “Não havia necessidade…” No caso de um deles estar infetado, a probabilidade que aquele que andou a distribuir beijocas, mais ou menos carinhosas, de ficar infetado também — e de, por arrasto, infetar todos a jusante na cadeia de distribuição de afetos — foi bastante elevada. Como o ajuntamento começou com dez e acabou com 32, embora repartidos por oito mesas de quatro, só espero que não se tenha, ali mesmo, iniciado uma nova cadeia de transmissão do vírus que, a assim ser, nesta altura já invadiu pelo menos mais 32 lares nacionais, ou seja, mais ou menos cem portugueses.

Rapaziada, bem sei que somos “tugas” mas, um pouco mais de juízo, também se impõe. Por um lado, protestamos quando nos confinam, bradamos aos céus que o governo nos trata como crianças, nos desresponsabiliza e nos fecha em casa privando-nos da nossa liberdade mas, por outro, mal nos é permitida alguma liberdade, a primeira coisa que fazemos é almoçaradas de grupo (vinte ou mais) mas sempre quatro por mesa, embora pouco distantes, para podermos falar uns com os outros. Começamos igualmente a jogar Padel, Ténis, Golfe, Surf, ir ao ginásio — sem aulas de grupo é certo, mas muitos a correr em simultâneo em várias passadeiras lado a lado — tudo atividades equiparadas a deportos individuais. O pior é que no final, são invariavelmente complementadas quer por “converseta” todos juntos sentados na praia e sem máscara porque “acabámos de sair da água por Deus!” no caso do Surf ou na esplanada do respetivo clube a beber umas “jolas” em amena cavaqueira nos outros.

Assim, não vamos lá não só não vamos lá, como nem nos poderemos queixar quando, tal como crianças rabinas, nos voltarem a encarcerar em casa.

A ver se consigo através desta metáfora fazer com que entendam o que está a acontecer. Imaginem que está a chover na rua (o vírus), de repente começa a trovejar (pico de infeções). Então, a mãe (o governo) proíbe as saídas à rua (confinamento) porque vamos ficar encharcados (apanhar o vírus) e, consequentemente, ficar engripados e de cama (nos cuidados intensivos, ventilados). A trovoada acaba e começa uma chuva miudinha. A mãe, cansada de nos ouvir (opinião pública), cede à pressão e já nos deixa sair (desconfinamento). Uns saem com a gabardine vestida (vacina tomada) e os outros sem gabardine (falta de vacina). No entanto, continua a chover (o vírus ainda não desapareceu) e, como tal, todos temos uma grande probabilidade de nos molharmos. Agora, uma vez na rua, também não é preciso ir logo brincar para debaixo das goteiras ou chapinhar nas poças de água, que diabo! Podemos brincar na rua debaixo de um alpendre, não?

Mas, infelizmente, uma vez mais, veio ao de cima o pior da nossa portugalidade. Somos peritos em analisar as leis e as regras, não com o intuito de as cumprir, mas com o intuito de perceber onde está o “furo” pelo qual podemos escapar para não as cumprir. Vários são os que advogam que o modelo sueco de resposta a esta pandemia é o mais adequado.  Esquecem-se é que o modelo sueco funciona mas para os suecos. Os “tugas” que são, por natureza, criativos e desenrascados, são igualmente muito indisciplinados. Vê-se isso em tudo, desde a esperteza saloia de andar a pagar parte dos ordenados recorrendo a despesas fictícias para diminuir os custos laborais até ao simples ultrapassar dos limites de velocidade nas estradas, sempre com a sensação que: “sim, estou a prevaricar mas não é grave”, porque “fazem todos o mesmo” e porque “não é assim tão relevante de acordo com o meu bom senso”. Ora, como me dizia no outro dia o meu amigo Arlindo: “o bom senso, é a coisa mais bem distribuída no mundo… Porque, todos nós achamos que temos muito e que, de forma alguma, nos falta bom senso…”.

Só que, não! NÃO. Os portugueses, se querem que Portugal evolua, que seja mais parecido e tenha as condições dos países mais avançados que tanto admiram, têm que alterar os seus comportamentos. E, como sabemos, os comportamentos são as coisas mais difíceis de alterar, sobretudo se estão enraizados no nosso ADN, como parece estar a nossa capacidade ou pouca vontade coletiva em cumprir e fazer cumprir regras, leis, diretrizes ou tudo aquilo que regulamenta a nossa vida em sociedade.

Esta pandemia poderia ser a oportunidade para todos pensarmos em como podemos efetivamente mudar para que, em sociedade, comecemos a viver todos melhor. Mudar começando por respeitar, por exemplo, as simples regras do distanciamento social, as normas do condomínio onde vivemos, as diretivas de higiene na via pública e evidenciando e condenando os comportamentos pouco cívicos, as situações de corrupção e/ou de evasão fiscal, ajudando as autoridades e toda a sociedade a impor o respeito pelas normas em vigor, sem receios nem estigmas que isso nos transforme em delatores, em PIDES ou em acusa- cristos. Sinceramente, sempre me fascinou a capacidade que o português tem em cumprir todas as leis e normas dos países estrangeiros onde reside e a incapacidade que demonstra em continuar a cumprir essas mesmas regras mal chega ao território nacional. Quando é que passou a ser mal visto, mal interpretado — de totó ou pior — ser cumpridor no nosso país?  No tempo dos nossos avós não era assim. Será que era porque vivíamos num regime totalitário? Regime esse que espero nunca, mas nunca mais, venha a ter lugar em Portugal? Será? Sinceramente, espero que não.

Temos que começar a ter juízo, a ser responsáveis e a deixar de ter receio de chamar à atenção quem não está a respeitar as regras que existem para benefício da sã convivência entre todos.

Se não cumprimos as regras, porque manifestamente não estão adaptadas ao nosso modus vivendi, então que se mudem as regras. Agora, cada um de nós, por si, decidir não cumprir deliberadamente as regras que democraticamente foram aprovadas, não me parece um comportamento cívico aceitável.

Gostava de viver num país livre, apaixonante, mas respeitador das regras onde todos, absolutamente todos, se empenhem em cumprir e fazer cumprir as mesmas.

A nacional chico-espertice mina a confiança que temos uns nos outros, leva à degradação acelerada da nossa sociedade e merece ser coletivamente condenada.
“A liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro” (Herbert Spencer)

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