Lar, doce Lar

Por Nuno España, Gestor

 

“Não são pedras velhas, nem coisas góticas…. […] uma pouca de água, um bocado de musgo… Isto é um paraíso!…”

Entre o mar e a serra, atravessada por um rio, fica a charmosa vila pela qual me apaixonei há mais de 30 anos e onde hoje me sinto em casa. Deixo Lisboa para trás e com ela o bafo e azáfama. Avisto ao fundo a serra e o seu famoso capacete e nem ele me assusta; pelo contrário, há algo que me atrai, que me acalma, que me faz sentir seguro. Percorro as curvas e contracurvas da serra, começo a sentir o cheiro a erva e pinheiro molhado, sei que estou cada vez mais perto do meu porto de abrigo. Sei que vou ver o mar e sentir a maresia. Nunca regresso a casa sem ir ver o mar, mesmo quando vou só ao café. Sinto o frio e a humidade a entranharem-se. No Inverno, anseio a lareira. No Verão, a praia, os caracóis, a cerveja gelada.

Chego. Revejo a família – e que bom que é! – nunca sei quem vou encontrar, mas sei que todos se sentem em casa como eu. Revejo vizinhos de sempre. Construo amizades novas, reforço antigas. Há sempre uma cara conhecida, alguém que me viu crescer ou alguém que eu próprio vi crescer. A sensação de poder parar, poder dar tempo às conversas e passar do simples “Então, tudo bem?”, “Sim e contigo?”, “Também. Cumprimentos à família”. Aqui tenho sempre tempo para ouvir. Gosto da sensação de desafiar para jantar e acontecer. Gosto de dar nomes às caras – a Inês da bomba de gasolina, a Rute do café, o João da mercearia, o Jorge e o Miguel da Adraga, o Toninho do Buzio, o Manel do Bar do Fundo, a Joana das pizzas –, mas sobretudo gosto de saber as histórias de vida que cada um transporta, porque sei que no fim cada um de nós é um bocadinho das várias pessoas a quem nos damos a conhecer.

De manhã, acordo curioso com o tempo incerto que me esperará. Se a manhã é frequentemente fria, húmida e cinzenta, por vezes surpreende-me um sol quente e caloroso, que me dá energia para o resto do dia. Gosto de começar o dia a correr. Entrar no Banzão, serpentear as casas de sempre, percorrer as vinhas que me dizem quando será a próxima vindima e terminar junto ao mar, sempre tão grandioso. Acabo sempre na famosa várzea, a deliciar-me com as iguarias regionais. E com paragem obrigatória no quiosque para jornal e Euromilhões.

Se o microclima torna o dia uma incógnita, a verdade é que todos os que aqui vivem têm a capacidade de saber aproveitar qualquer dia, com a imaginação própria das crianças, que todos sabemos que não se sentem ameaçadas pela chuva ou pelo mau tempo. Entre passeios culturais pelos românticos palácios e castelos, roteiros gastronómicos e actividades desportivas, há programas para todas as idades, gostos e feitios. Eu não dispenso as motas, pelos trilhos sempre renovados; não dispenso a pesca, seja com os amigos em alto mar com o tradicional anual jantar do peixe, seja sozinho com as gaivotas durante horas a apanhar percebes na rocha, com a certeza que haverá petiscada ao fim do dia com a família e os amigos; até as caminhadas e os trilhos na falésia, a ver as ondas esculpirem a terra.

No fim do dia, sei que vou ter de levar algo quente para vestir. Sei que até no Verão vou ter a cama com cobertor. Sei que vou chegar cansado, mas vou dormir descansado porque vou acordar no dia seguinte na terra onde me sinto em casa.

Colares. A minha casa para além das quatro paredes.

Pessoalmente sinto-me bem em muitos sítios e considero que rapidamente me adapto a onde quer que vá, mas deve ser missão de qualquer um de nós encontrar essa casa. A casa onde, de forma natural e inconsciente, voltamos quando as dúvidas nos consomem ou a vida decide testar-nos.

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