“Isto é trabalho para um homem” – como desconstruir a conceção do género

Por Sara Brás, Talent Manager na Critical Software

Ainda no rescaldo do 25 de Abril, é de extrema importância comemorar o que foi alcançado, mas não podemos deixar de refletir sobre o que continua por fazer e o que ainda é preciso alcançar. Se há 50 anos, enquanto mulheres, éramos vistas apenas como esposas, donas de casa e mães, hoje podemos ser tudo isso e muito mais. Podemos ser engenheiras, médicas, astronautas e tantas outras profissões durante décadas reservadas aos homens.

Apesar dessa conquista, o setor tech continua a ser dominado por homens. Mas mais do que nos focarmos na desigualdade no que toca às mulheres, é importante desconstruir o processo, perceber em que momento é que as carreiras de tech foram “atribuídas socialmente” aos homens e criar condições para remediar o “agora” e precaver o futuro.

Para fazer face ao desafio atual de contratação feminina, as empresas devem começar por fazer uma introspecção e perceber: O horário é flexível? É possível coordenar as férias de acordo com o calendário escolar dos filhos? A licença de parentalidade é respeitada? Há mulheres em cargos de liderança? O ambiente é seguro?

Se aqui encontrarem “red flags”, façam mudanças genuínas antes de ambicionarem equipas de engenheiras. As empresas devem preocupar-se em criar as condições realmente necessárias para receber público feminino, em vez de estratégias politicamente corretas. A igualdade não está obrigatoriamente no número de mulheres em cargos de chefia na empresa ou nos salários, está sim na mentalidade. Organizem debates, oiçam as colaboradoras femininas, peçam apoio a organizações especializadas na área, façam mais e melhor para criar condições interessantes que atraiam o público feminino, não só para preencher quotas, mas para serem recompensados com novos talentos e skills.

Numa análise mais profunda e apesar de não ser um tema novo, olhemos para as profissionais do futuro e tratemos de refletir sobre o facto de as meninas continuarem a ser direcionadas para brinquedos e atividades associadas ao cuidado, à organização, à estética ou à maternidade. Já os meninos são incentivados a explorar jogos de construção e aventura.

Esta separação, à partida inocente, é o início de um padrão social que interfere nas perspetivas de futuro das crianças, inclusive nas suas escolhas de carreira. E se no caso das meninas, através da sua ligação com certos brinquedos, ficam restringidas de adquirir outros interesses e competências que até as poderiam ligar à área de tech, os meninos ficam privados da oportunidade de explorar diferentes papéis e interesses.

Numa sociedade com valores de género tão enraizados, é crucial desde cedo mostrar aos jovens que a tecnologia está em todo o lado para ser usada por todos. E por isso todos podem contribuir para a sua criação também. Como estratégia a longo prazo, as empresas podem investir em programas de sensibilização e desconstrução de estereótipos de género nas escolas e comunidades, para que as crianças possam encontrar role-models que lhes mostrem que podem ser o que quiserem e não o que a sociedade espera delas.

Todos nós, mulher ou homem, somos feitos de um conjunto de experiências que se traduzem numa personalidade, características e qualidades únicas. A junção destas diferentes personalidades traz a inovação e a excelência. Como tal, para bem da nossa sociedade e das nossas empresas, tratemos, urgentemente, de abolir os estereótipos.

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