Inflação: um fenómeno passageiro ou uma nova realidade?

Por Arlindo Oliveira, Professor do IST e Presidente do INESC

A pandemia de COVID-19 trouxe consigo uma alteração profunda dos padrões de consumo e poupança da sociedade, criando uma situação onde existe uma profunda desadaptação entre a capacidade produtiva e logística e as necessidades dos consumidores. Se a falta de chips, a nível global, justifica os atrasos na entrega de automóveis, ecrãs, telefones, electrodomésticos e outros bens que usam electrónica, é mais difícil perceber porque é que muitos consumidores, na Europa e nos Estados Unidos, tiveram dificuldades em adquirir alguns bens tão comuns como sofás ou mobília de jardim .

Esta escassez de alguns bens de consumo deve-se, essencialmente, a dois factores: uma disrupção das cadeias de abastecimento a nível global e uma desadequação da actividade produtiva instalada às novas preferências dos consumidores. Muitas pessoas fizeram alterações nas suas casas, modificaram os pátios e jardins e até, em muitos casos, adquiriram novas casas mais adequadas às suas necessidades pós-pandémicas. De facto, no último ano assistimos a uma grande procura de empréstimos para novas habitações. A esta falta de bens de consumo, juntaram-se diversos outros factores, entre os quais os custos mais elevados com a energia e a falta de pessoas para preencherem muitas vagas de emprego que apareceram com a recuperação pós-pandémica. O fenómeno de milhões de pessoas se terem despedido e não procurarem outro emprego veio a ficar conhecido como “A Grande Resignação” (The Great Resignation).

Todos estes factores conduziram a uma subida generalizada dos preços, que foi de 6.2% nos Estados Unidos e 4.1% na Europa, relativamente há um ano atrás. Na Europa, isto corresponde ao valor mais alto desde a criação do Euro, embora igual ao que se verificou em Julho de 2008, na sequência da crise financeira. Num mundo que foi caracterizado por baixos valores de inflação, nos países desenvolvidos, durante décadas a fio, este estado de coisas levanta dúvidas sobre o que virá a acontecer no futuro.

Muitos economistas, incluindo os que veiculam a opinião dos bancos centrais, entendem que este aumento de preços é transitório e não conduzirá a inflação que é, por definição, o aumento sustentado e permanente dos preços. A esta opinião não será alheia, seguramente, a motivação de passar uma mensagem que evite o pânico e a criação de expectativas de uma subida continuada dos preços. Outros economistas, pelo contrário, entendem que o aumento dos salários imposto pela escassez de trabalhadores, os custos adicionais com a energia que resultam da queda no investimento e na produção de petróleo e gás e na redução do uso de carvão, assim como as reservas financeiras acumuladas por muitas famílias irão alterar as expectativas de estabilidade dos preços e causar uma subida permanente e sustentada dos preços, ou seja, inflação.

Os economistas sempre foram muito bons a explicar porque se observaram os fenómenos do passado, mas muito maus a prever a evolução futura. O famoso economista Paul Samuelson, autor de um livro pelo qual muitos de nós estudámos Economia, afirmou uma vez que “o mercado bolsista previu com exactidão nove das últimas cinco recessões”, numa clara referência à limitada capacidade de previsão dos economistas. No caso presente, e no que respeita à inflação, vamos ter de esperar para ver.

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