Hidrogénio natural, o novo petróleo?

Por Luís Gil, Membro Conselheiro e Especialista em Energia da Ordem dos Engenheiros

Portugal aposta no hidrogénio para acelerar a transição energética e procura estar na linha da frente. Essa aposta assenta no hidrogénio verde como uma das promessas para o combate às alterações climáticas. No entanto existe, eventualmente, uma outra possibilidade, o hidrogénio natural, muito pouco falado e conhecido.

O hidrogénio natural – também designado por hidrogénio “branco”, “dourado” ou “geológico” – é produzido naturalmente ou está presente na crosta terrestre e embora já conhecida a sua ocorrência há bastante tempo, tornou-se nos últimos tempos uma espécie de santo graal das renováveis e da transição energética.

A presença de hidrogénio sob a forma de gás na subsuperfície terrestre foi documentada em muitas localizações por todo o mundo. Dado ser um gás extremamente leve e altamente reativo, a sua ocorrência de forma livre na natureza é rara e requer condições específicas para ser uma fonte de geração de hidrogénio natural, como uma rocha reservatório, uma “capa” impermeável para evitar a difusão do hidrogénio e ausência de oxigénio para reagir com o hidrogénio.

O hidrogénio natural é gerado continuamente na crosta terrestre e pode formar grandes acumulações, estimando-se reservas para centenas de anos de uso humano. Este tipo de hidrogénio é o que tem menos emissões de CO2 associadas e é obtido através de técnicas de perfuração e processamento já existentes para a área da geotermia e do gás natural. Será previsivelmente a fonte mais barata de hidrogénio com valores inferiores a 1 €/kg, sendo produzido 24/7 e podendo não ser necessário armazenamento, não necessitando ainda de água, como acontece com o hidrogénio verde.

Aqui chegados coloca-se uma questão. E no que se refere a reservas deste recurso qual é a situação?

Foi notícia uma enorme descoberta do hidrogénio natural em França, no início de 2023, que suscitou grande entusiasmo, referindo-se mesmo de que poderia tornar-se uma fonte de energia limpa, barata e renovável. A Suíça juntou-se rapidamente à procura, encontrando hidrogénio natural no cantão dos Grisões na primavera desse ano. No verão, o país começou a sondar rochas no Valais para encontrar mais depósitos. Em Espanha é conhecido o caso do poço Monzon-1 na bacia do Ebro no norte de Espanha.

O caso mais falado é o do Mali, que é provavelmente, o catalisador do atual interesse pelo hidrogénio natural. A descoberta neste caso foi efetuada nos anos 80, na aldeia de Bourakébougou, após uma explosão ocorrida na perfuração de um poço de água. O poço foi tapado e abandonado até 2011, altura em que foi operado por uma empresa de petróleo e gás e se descobriu que produzia um gás com 98% de hidrogénio. O hidrogénio foi utilizado para alimentar a aldeia e, mais de uma década depois, continuava a produzir. Este projeto-piloto, desde 2012, demonstra que o hidrogénio natural pode ser usado para gerar eletricidade para as comunidades locais.

E em Portugal? De acordo com uma informação de uma organização internacional (https://climateandnature.org.nz/gold-hydrogen/) em que é apresentada um mapa-mundi com a indicação dos países com depósitos significativos de hidrogénio já provados ou suspeitos, Portugal vem referido como sendo um dos países nos quais ainda não se conhecem depósitos significativos. Não é indicado se não existem ou se não foram encontrados. No entanto, já temos gente a trabalhar nesse domínio. Sabe-se, por exemplo, que uma spin-off da Universidade de Évora lidera um projeto internacional conjunto Europa-África, no domínio da prospeção e exploração do hidrogénio natural – o projeto HyAfrica – para estudar o hidrogénio natural como de fonte energia alternativa.

Assim, relativamente ao hidrogénio natural, agora a questão já não é o recurso, pois esse parece existir… mas onde encontrar grandes reservas com possibilidade de exploração económica! Existem estimativas que apontam a que a nível global, possam existir dezenas de milhares de milhões de toneladas de hidrogénio natural. Isto seria muito mais do que os 100 milhões de toneladas de hidrogénio produzidos atualmente e os 500 milhões de toneladas que se prevê que sejam produzidos anualmente até 2050.

Concluindo, o hidrogénio natural, ocorre em ambientes geológicos específicos como resultado de reações químicas entre determinados tipos de rocha e a água, a grandes profundidades. É um recurso natural, gerado continuamente, que pode constituir uma fonte de energia primária e limpa, renovável e sem intermitência. A sua exploração e comercialização ajudará eventualmente a lançar a economia do hidrogénio como parte de uma estratégia para ajudar a mitigar as alterações climáticas com origem antropogénica. Este recurso renovável constante pode constituir um complemento de menor custo para a produção de hidrogénio, sem perdas de eficiência associadas ao ciclo de produção industrial do hidrogénio azul e do hidrogénio verde, e sem grandes impactos no uso do solo e mesmo ambientais a nível da exploração e ainda no consumo de água inerente à produção de hidrogénio verde.

 

 

 

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