Estratégias globais para o abandono do carvão

Por Luís Gil, Membro Conselheiro e Especialista em Energia da Ordem dos Engenheiros

Existem consideráveis externalidades negativas, não refletidas nos seus custos de produção, que estão relacionadas como uso do carvão, nomeadamente para fins energéticos. Isso significa que os custos ambientais e de saúde são pagos efetivamente pela população em geral e não pelos produtores de energia ou seus utilizadores.

Com estas preocupações em mente, a Agência Internacional de Energia apresentou muito recentemente um relatório sobre as estratégias para acelerar a transição justa, rápida e segura para o abandono do carvão no setor energético nomeadamente na geração de eletricidade. E o IPCC, Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, recomenda também a reorganização do abastecimento energético em todo o mundo de forma rápida e radical.

Para se atingiram os objetivos da COP28 de emissões zero de gases de efeito de estufa em 2050, no setor energético, é necessário um rápido abandono do uso do carvão. O que a nível global é uma tarefa de grande escala pois o carvão ainda é responsável por cerca de um terço da produção de eletricidade e de calor, havendo mesmo instalações muito recentes nalguns locais.

Sabe-se que mesmo embora tenha havido um rápido crescimento da produção de eletricidade por via renovável, a procura de carvão para esse fim aumentou ainda em 2023, nomeadamente na China e na Índia. A capacidade instalada de centrais a carvão duplicou desde o ano 2000, devido sobretudo ao forte crescimento das economias destes dois países. Por outro lado, o Reino Unido reduziu a produção de eletricidade via carvão de 41% em 2012 para apenas 1,6% em 2020. É verdade que o fez substituindo essencialmente carvão por gás natural, mas esta última fonte fóssil de energia emite apenas um terço do dióxido de carbono da primeira, por cada quilowatt-hora produzido.

A redução deste tipo de produção de eletricidade será apenas possível se forem desenvolvidas novas fontes/tipos de produção suficientemente rapidamente de forma que seja possível suprir a procura crescente de eletricidade.

Algumas medidas apontam para a reformatação das centrais térmicas a carvão para apoio à rede e não produção de base, com operação mais flexível, ou mesmo a sua transformação em unidades de captura, uso e armazenamento de carbono ou de combustão de combustíveis de baixas emissões como a biomassa.

Há zonas do globo em que o custo das renováveis é ainda superior ao da produção via carvão. Mas isso não se passa em todo o lado. Porém, nesses casos, será necessário financiar os custos relacionados com a desativação das centrais a carvão em operação. Será também necessário manter os preços da eletricidade a custos baixos para permitir a transição.

Outro aspeto tem a ver com o facto de que a aceleração da transição do carvão para as renováveis terá impacto nos trabalhadores, regiões e economias que dependem desse carvão. A gestão deste aspeto é essencial para o sucesso da transição.

Os impactos socioeconómicos desta transição variam enormemente de país para país, dependendo da atual importância do uso do carvão para a produção de eletricidade, da estrutura da economia do nível de desenvolvimento económico e do volume do emprego local em atividades carboníferas e da dependência da economia nacional/regional desse setor.

No final de abril deste ano os países do G7 comprometeram-se, através de um documento final da reunião dos ministros do Ambiente, da Energia e do Clima dos sete países mais industrializados (G7), que decorreu em Turim, Itália, a eliminar gradualmente o uso do carvão para a produção de energia na primeira metade da próxima década, ou num prazo consistente com o limite de 1,5°C de aumento das temperaturas globais. O G7 defendeu ainda que os países que tenham capacidade de contribuir devam pagar para ajudar os países mais pobres a enfrentar a crise climática e ambiental existente.

Este grupo comprometeu-se também a pressionar para se conseguir o término da aprovação de novas centrais elétricas a carvão a nível mundial, o mais rapidamente possível. E a apoiar o objetivo de “triplicar a capacidade mundial de energias renováveis e reforçar a segurança energética, aumentando a flexibilidade do sistema através da resposta à procura, do reforço da rede e implantação de redes inteligentes”.

A nível nacional é sabido que no final de novembro de 2021 acabou a utilização do carvão para produzir eletricidade em Portugal. O encerramento da Central do Pego nesta data e da Central de Sines em janeiro do mesmo ano, foi uma das medidas mais importantes em matéria de descarbonização da economia nacional. Estas duas centrais a carvão representavam uma importante parcela das emissões totais do país, que nalguns anos se aproximava dos 15 por cento. É por isso que esta foi uma medida necessária e impactante.

No entanto, existe uma dimensão humana e social. Este encerramento colocou, umas centenas de pessoas na inatividade, que não podem ser esquecidas. Para isso existem verbas europeias do Fundo para a Transição Justa que estão a ser acionadas para mitigar essa questão.

Portugal continua a ser um caso de referência internacional na estratégia energética. Mas, para uma transição de sucesso, terá de avançar também na regulação e na fiscalidade do setor. A nível global o objetivo de “emissões zero” até 2050 pode ser alcançado tendo em vista os avanços recentes, embora ainda com importantes passos a dar.

 

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