Está tudo embrulhado…

Por Manuel Lopes da Costa, Empresário

 

Já tentaram, ultimamente, renovar algum documento oficial? É um verdadeiro martírio ou, melhor dizendo, uma aventura no imenso pântano em que conseguiram transformar os serviços públicos.

Os desgraçados que têm o infortúnio de ter que renovar o passaporte ­— o único documento que resistiu à tentação “facilitista” da rápida resolução dos problemas tanto ao gosto dos serviços atuais, denominada de “empurra com a barriga” e que consiste em aumentar administrativamente os prazos de caducidade dos documentos — porque tem de ser validado por entidades estrangeiras, embarca numa aventura épica.

Primeiro, ao tentar agendar a renovação usando o https://agendamento.irn.mj.pt/ , somos logos informados que “os cartões de cidadão que caducaram depois de 24 de fevereiro de 2020 continuam válidos até 31 de dezembro de 2021 e são aceites em Portugal para todos os efeitos legais”. Atendendo a que os passaportes não estão abrangidos por esta determinação, temos que agendar. E, pasme-se, a data mais próxima que se consegue, após várias tentativas e mensagens variadas, em Lisboa, é lá para 20 de outubro. Ora, estamos no início de agosto. Quanto a outras opções, ou não existe o serviço no respetivo concelho, ou só se consegue agendamento para mais tarde ainda. Recorre-se então aos serviços do aeroporto de Lisboa, especializados em emissões urgentes, mas que, claramente, tiraram uma pós-graduação em atrapalhação e dificultação aplicada da vida do cidadão. Isto porque, por mais que se explique, por mais que se escrevam emails e se enviem comprovativos, algum documento parece estar sempre em falta o que leva a que, ao pobre candidato a detentor de um passaporte, só lhe reste desesperar.

Talvez a única forma de se conseguir obter o tão almejado documento seja estar integrado numa comitiva presidencial. O Senhor Presidente, dando um excelente exemplo ao resto da população, desde que tomou posse para o segundo, e último mandato, a 9 de março de 2021, já se deslocou pelo menos dez vezes ao estrangeiro. Vaticano (10/03), Espanha (12/03) e (4/06), Andorra (21/04), Cabo Verde (17/05), Guiné Bissau (18/05), USA-UN (18/06), Eslovénia (1/06), Angola (17/07) e Brasil (01/08). Pelo que, é de acreditar, que alguém inserido na sua comitiva se possa conseguir renovar o passaporte sem dificuldades de maior. Mas, sinceramente, havia e há necessidade para fazer todas estas viagens? O que realmente de relevante se conseguiu para Portugal? Não ponho em causa o interesse nacional das viagens de Estado, questiono-me é da oportunidade das mesmas em altura de pandemia. O Senhor Presidente foi à reabertura do Museu da Língua Portuguesa e, essa, foi a razão principal da sua última viagem. Pelo meio, teve encontros com o atual e anteriores Presidentes do Brasil. Mas isso era mesmo premente?

Podíamos até ser levados a acreditar que as dificuldades em renovar ou fazer passaportes novos fossem propositadas a fim de tentar evitar o êxodo dos portugueses de férias para o estrangeiro mas, não me parece. Até porque, recentemente, o governo deu boas mostras que o controlo da pandemia em tempo de férias não é certamente uma das suas prioridades. Após a última decisão do Conselho de Ministros nesta matéria “No Bairro Alto, a rua da Atalaia encheu-se de jovens com música e álcool à mistura” (in Observador de 1/08/2021). E assim, tal como no centro de Lisboa, aconteceu o mesmo um pouco por todo o país: houve festas e ajuntamentos com pouco respeito pelas regras de distanciamento social. Foi o “dia da libertação” à portuguesa: não foi decretado mas foi assumido por todos. E as autoridades, interpretando o dia com tal, fizeram igualmente vista grossa. Esperemos que não nos venhamos a arrepender amargamente. A verdade é que quem decidiu viajar, para destinos que não necessitam de passaporte, sofreu consequências bem amargas quando algo correu menos bem. “’É a comida mais intragável que eu já vi na minha vida’. Portugueses isolados em Itália sem condições” ou “Covid-19: Família portuguesa separada e retida na Grécia após ‘pesadelo’ com testes” (in multinews.sapo.pt de 27/07/ e 4/08/2021) são bem a prova disso. A quantidade de jovens que na primeira semana de férias no Algarve se infetou e teve que ficar (espero que tenham ficado) isolados em casa foi totalmente anormal. Há os que defendem que ainda bem, tratando-se de uma faixa etária cuja infeção por COVID-19 não traz consequências acrescidas e que, deste modo, estamos a caminho da imunidade de grupo e de tornar tudo isto endémico. Esperemos que seja só isso, e que tenham razão. Porque se não for esse o caso e os hospitais ficarem sobrelotados, vai ser muito, mas mesmo muito, mau. Sobretudo quando, infelizmente, algumas das consequências desta pandemia que se arrasta estão à vista: “Dielmar entra em insolvência. Estão 300 postos de trabalho em risco” (in expresso.pt de 02/08/2021). Eu prescindo de ler mais notícias deste género: ver a nossa economia a definhar e a ficar cada vez mais totalmente dependente do Estado é algo que me preocupa.

Está tudo embrulhado e o país está meio anestesiado. As coisas parecem estar a voltar à normalidade mas, na realidade, muitos serviços públicos e privados estão a cumprir serviços mínimos ou abaixo dos mínimos, algo que é uma consequência direta do trabalho remoto imposto e da esperteza saloia de alguns. Refira-se, como exemplo, o facto surreal de, hoje em dia, se esperar 50 minutos para ser atendido por um call center, algo que não devia acontecer mas que acontece. Face a esta situação, em vez de se levantarem as restrições para diversão e copos, deveria fazer-se uma chamada ao trabalho, à exigência e ao rigor. Este marasmo que criámos durante este último ano e meio em nada beneficia o país. É altura de arregaçar mangas e como dizem os nossos hermanos: “A trabajar se ha dicho!”

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