Empresas com dono mas sem face

Por Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati

O capitalismo do século XX inventou este conceito.  Empresas com dono mas sem face, com Pulverização do capital em bolsa ou concentração em fundos de investimento. Do ponto de vista de governance, uma empresa sem controle do capital social, geralmente é considerada mais independente pois inclui no seu Conselho de administração ou gerência, um conjunto de pessoas mais plural e representativo. No entanto a liderança por norma entregue a gestores profissionais, vivem um permanente Conflito de interesses: no curto prazo podem, na ânsia de obter resultados, bónus, fringe benefits, penalizar a continuidade no longo prazo. Podemos Utilizar o conceito de utilidade marginal da economia, não em relação ao consumo de bens, mas em relação ao decorrer do tempo. Para um gestor deste tipo de empresas, quanto mais longo for o período menor o prazer, valor e utilidade retirada. Nomeadamente ao nível do resultado que entrega aos donos do capital, bem como da sua remuneração. Portanto o estímulo é para o curto prazo. E os gestores, utilizando um garjão feirante (e recentemente politico), tornam-se em autênticos circunforâneos (pessoas que vagueiam de feira em feira).

Existe aqui o Paradoxo do falcão e da tartaruga. O falcão peregrino voa a 320 kms /h para caçar e utiliza a gravidade para acelerar mas vive apenas até aos 25 anos em cativeiro; como nas empresas os gestores de Excel actuam no curto prazo e perpetuam algum sucesso, pois regularmente utilizam o “carry over” do negócio que vem de trás. A tartaruga com uma velocidade média de 0,04 kms/h, vive lentamente mas até aos 150 anos, como os gestores que implementam estratégias e desenvolvem pessoas talentosas nas organizações, pensando no curto e longo prazo.

Acresce o risco do efeito do paradoxo, se repetir progressivamente e por vezes exponencialmente, quer produzindo efeitos positivos, quer negativos.

Julgo que este será um dos problemas maiores da economia mundial pois o risco de ser “falcão”, aumenta os riscos de más decisões de curto prazo muito focados no EBITDA; da “tartaruga” pode ocorrer uma promessa de resultados que é um “never ending story” e nunca acontece.

O que sei, é que os gestores “falcão” muitas vezes focam-se maioritariamente nos processos e produtos, não tanto nas pessoas e no talento exponencial destes, que alavanca o sucesso das organizações. Em dedicação, profissionalismo, inovação, cultura de organização, gestão de projecto, compromisso… Nas empresas com face e dono, a imagem do empresário, a notoriedade do seu empreendedorismo, a responsabilidade sobre o seu capital próprio, podem acrescentar valor e combinam em regra, o misto de “tartaruga & falcão”. Isso pode também ser substituído por “CEOs accountable”, com responsabilidade ESG, mas existem muitos que são apenas “talibans” financeiros que gerem no Excel de forma eficiente, mas que não entendem o negócio, correndo o risco de o afectar no médio prazo.

Julgo que um dos maiores problemas corporativos de hoje não é a globalização do capital, mas a abscônditação do mesmo  que tem dono mas não tem face, nem imagem, nem reputação, nem o sentido epicório do empreendedorismo empresarial que deixa o seu ADN na comunidade e na sociedade. São muitos apelidos que consideramos nossos e pelos quais temos admiração: Champalimaud, Nabeiro, Mello, Azevedo, Amorim, Soares dos Santos, Balsemão, Portela, Medeiros, Almeida Lopes… não são apenas ricos mas deixaram marcas positivas na sociedade. São aqueles que lançaram as fundações daquilo que viria a ser o eco-sistema empresarial português.

Devíamos ter mais empreendedores e grupos empresariais assim… Com face e não apenas donos!!!

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