“Os Elefantes na Sala”

Por Ricardo Florêncio

Portugal gosta de cultivar o conceito dos “elefantes na sala”. Ou seja, aqueles temas que existem, estão aí, chegam a ser prioritários, mas vamos fazendo de conta que não os vemos. Temos um, quase de estimação, dado que tem décadas de existência. Refiro-me à Segurança Social e à sua sustentabilidade financeira. Há trinta anos que se fala da incapacidade da Segurança Social dar resposta face ao envelhecimento sucessivo da nossa população. O sistema vigente pressupõe que tem de haver mais pessoas a contribuir do que a receber. Ora, como bem se sabe, e não é de hoje, pois essas projecções há muito que estão feitas, essa não é a realidade. E só tem tendência para piorar. Deste modo, há muito que se deveria ter levado a cabo uma reforma que possibilitasse a sua sustentabilidade financeira. Fala-se agora que uma das possibilidades é haver alguns impostos que poderão financiar a Segurança Social. Ou seja, não se resolve a questão. Esconde-se a realidade.

Um segundo tema mais actual prende-se com a inflação. Ela já hoje existe, as tendências já o mostram, é já é uma realidade. E a inflação por si, desde que moderada, até pode não ser um sinal negativo. A questão é o que vem à acompanhar a inflação, e esse sim, um verdadeiro problema – o aumento das taxas de juro. Para um País altamente endividado, com um vasto conjunto de empresas e de famílias, que têm empréstimos de várias naturezas, o aumento das taxas de juros representam encargos que muitos não irão conseguir suportar. E isso, sim, seria muito importante começar a falar-se, a debater, como poderá ser enfrentada esta situação, antes dela mesmo acontecer. Mas infelizmente, não é o que está a acontecer. Vamos fazendo de conta, que nada está a acontecer. E assim, lá vamos colecionando os “elefantes na sala”…

Editorial publicado na revista Executive Digest nº 190 de Janeiro de 2022