Desperdício zero, pegada zero: como tornar os resíduos eletrónicos circulares, em todo o lado

Por Luísa Vasconcelos e Sousa, Country Manager da Swappie

À medida que a tecnologia avança, os telemóveis e eletrodomésticos tornam-se cada vez mais modernos e sofisticados. No entanto, o crescente fascínio pelo “novo” relega os dispositivos “antigos” ao esquecimento. Segundo um estudo realizado pela Kantar em 2023, apenas 40% da população portuguesa considera comprar tecnologia em segunda mão, indicando uma preferência ainda considerável por produtos “novos”, ao mesmo tempo que 60% das pessoas também não sabe que pode entregar ou vender os seus dispositivos, como telemóveis, para serem reciclados ou recondicionados e ganharem uma nova vida.

Muitos dos nossos aparelhos acabam perdidos em gavetas, transformadas em verdadeiros “cemitérios” de tecnologia, enquanto outros são simplesmente descartados no lixo comum.  Neste sentido, a reciclagem surge como o primeiro passo para garantir o tratamento adequado dos produtos eletrónicos em fim de vida, pois muitos destes resíduos representam uma mistura complexa de materiais – alguns dos quais potencialmente perigosos, podendo causar sérios problemas ambientais e de saúde se não forem geridos corretamente.

Em Portugal, apesar de já existirem várias soluções para reciclar resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos (REEE) em fim de vida, como Pontos de Entrega de REEE, Ecocentros e Lojas EEE, ainda há muito por fazer. Temos estado sucessivamente na “cauda da Europa” no que diz respeito à reciclagem e reutilização destes dispositivos. Segundo um relatório do Eurostat, apenas 32% dos REEE foram reciclados em 2020. No que diz respeito a 2021, dados da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) revelam que Portugal está aquém da meta estabelecida para 2025, tendo-se mantido nos 32% e arriscando-se ao incumprimento da meta europeia de 55% até 2025. Numa ótica mais positiva, o primeiro trimestre de 2023 registou um aumento de 3% na recolha de embalagens nos ecopontos nacionais, com um total de 108.368 toneladas recolhidas, em comparação com o mesmo período de 2022.

Para a mudança deste paradigma, uma medida fundamental que todas as marcas de eletrónicos devem promover é a expansão dos programas de recolha de resíduos eletrónicos, aliada à implementação de incentivos financeiros, para incentivar a reciclagem de pequenos aparelhos eletrónicos que já não funcionam, mas que continuam a ocupar espaço nas gavetas de casa. Estes podem assumir diversas formas, desde descontos na compra de novos dispositivos até prémios monetários pela entrega de dispositivos antigos para reciclagem.

A verdade é que muitas pessoas desconhecem, ainda, que é possível reciclar, reparar e reutilizar dispositivos eletrónicos, independentemente do estado em que se encontram, pelo que aumentar a sensibilização e educação, através de campanhas de sensibilização e informação acessível sobre os locais de recolha, é na minha opinião, a solução.  Acredito que só assim podemos incentivar os consumidores a adotar práticas mais sustentáveis no descarte dos seus dispositivos eletrónicos.

Por outro lado, também existe uma clara  mudança nos hábitos de consumo das pessoas. e a preocupação com a sustentabilidade tem estado cada vez mais presente no nosso quotidiano. De acordo com o mesmo estudo realizado pela Kantar, os portugueses procuram opções mais acessíveis e ambientalmente sustentáveis. Também se concluiu que mais da metade dos consumidores já possui conhecimento sobre produtos recondicionados, o que é promissor para a redução do lixo eletrónico, especialmente no setor da tecnologia.

Devemos aproveitar as oportunidades oferecidas pela economia circular e agarrar as oportunidades geradas pela reutilização e reciclagem de dispositivos eletrónicos, que podem levar a novas oportunidades de negócio e reduzir, simultaneamente, o impacto ambiental dos resíduos eletrónicos.

É tempo de agir e é entusiasmante receber uma notícia como a da Comissão Europeia sobre a aprovação das novas regras comuns que promovem a reparação de produtos eletrónicos, numa resposta ao lixo eletrónico que tem aumentado nos últimos anos devido à produção em massa de novas tecnologias e à troca frequente de aparelhos – como os telefones, que geralmente têm uma vida útil média de apenas 2 anos. Esta iniciativa introduz um novo direito à reparação quando um defeito no produto se manifesta fora do período de garantia. Entre as suas muitas vantagens para os consumidores e para o planeta, destaca-se a importância de prolongar a vida útil dos dispositivos e incentivar os consumidores a utilizá-los por mais tempo.

A partir de agora, as novas regras incentivam as pessoas a considerarem a reparação em vez da substituição, beneficiando a redução na produção de e-waste e chamando a atenção para a necessidade de adotar hábitos de consumo mais sustentáveis. Apesar de ser um acordo provisório, a Diretiva propõe, efetivamente, a introdução de uma obrigação de reparação para as marcas, uma verdadeira vitória para a sustentabilidade e para a economia circular.

A adoção destas medidas promove um consumo mais positivo para o ambiente, valorizando todo o ciclo de vida da tecnologia para prolongar a sua utilização. Em simultâneo, promovermos uma mudança de mentalidades, preservamos o meio ambiente e construímos um futuro mais sustentável para todos.

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