“Deita-te com cães e acordas com pulgas”

Por Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati

Esta frase popular explica bem o que está a acontecer na “aldeia global” depois da crise de 2008, do acordo entre os EUA e países na Ásia que provocou tensões com a China, do Brexit, da pandemia de Covid, do aumento do custo energético e pressão inflacionista, da invasão ilegal e guerra na Ucrânia. A aldeia passou a ser uma “aldeia blocal”. Defendo que a “globalização morreu” e nasceu a “blocalização federalista”. Federalista porque os objectivos e regras devem ser comuns e integradas; blocalizada porque em lugar de um mundo global passamos a ter blocal, que no nosso caso será a Europa e alguns países do Norte de África (até por questões de segurança). 

Protecionismo, cadeias de abastecimento longas, risco de chantagem económica por motivos políticos, inflação de 8.1% por causa de estados irresponsáveis, práticas que desrespeitam os princípios ESG que as empresas assumem como fundamentais na sua missão, levaram a esta nova aldeia blocal. Não devemos ter relações regulares de negócio, políticas ou sociais com organizações ou países que defendem o oposto do que eu acredito. Devemos manter ligações diplomáticas mas não podemos abrir a nossa sociedade e economia a estes países e blocos. A OMC deveria definir as regras mínimas para operar sob a sua orientação. Senão, “Deita-te com cães e acorda com pulgas”!

A única excepção tem a ver com os direitos difusos, como o direito à vida e em consequência o direito à saúde; o que significa que no caso de uma pandemia como covid, a disponibilização da vacina deve ser universal e global a todos os estados, com respeito da propriedade intelectual. 

Alguns sinais que demonstram este comportamento verifica-se a vários níveis, como em 3 por exemplo onde menos se poderia esperar: nas marcas e empresas globais; nos media globais; na cibersegurança. 

Mais de 1000 empresas encerraram a sua operação na Rússia nos últimos meses, segundo a universidade de Yale. Por motivos reputacionais certamente, mas por uma questão de coerência ESG. Marcas globais como Starbucks, Louis Vuitton, adidas e McDonald’s. Ainda me recordo da abertura do primeiro McDonald’s na praça Pushkin, em 1990 depois da queda do muro, com 30.000 moscovitas a tentarem comer um hambúrguer que veio do outro lado da “cortina de ferro”. Esta empresa vendeu as suas instalações a um empresário local russo que ainda está a decidir o nome, que será “fun and tasty” ou “the same one”. Mas vai tentar manter tudo o resto, até o aroma nas lojas. A Ochavo está a tentar substituir a Coca Cola por cool cola, fanta por fancy e sprite por street. Ou a nespresso que passou a ser local e nezpresso (cápsulas cool com a letra Z de apoio a guerra). A Renault vendeu à marca local avtovaz a sua fábrica que vai fazer automóveis moskvich que desapareceram há 20 anos. 

As empresas globais de media foram proibidas de operar na Rússia ou decidiram sair do país; empresas como o Facebook, Instagram e tik tok mas que foram já substituidas pelo rossgram, vkontakte ou rutube de origem russa mas que coloca uma questão crucial de acesso aos dados e controlo pelo Kremlin. Ou seja não há liberdade de opinião. 

Ao nível da cibersegurança verificamos que muitos ataques informáticos vêm de países como a Rússia, pelo que os blocos devem desenvolver a internet mais segura (quântica) e blocal como mecanismo de defesa.

Em suma, os sinais são de que o mundo está nas “cerimónias fúnebres” da globalização e a batizar a nova “aldeia blocal”.

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