Crónica de uma crise anunciada

Por Joana Pais, Professora do ISEG, Universidade de Lisboa, e coordenadora do XLAB-Behavioural Research Lab

Poucas horas depois da Rússia ter lançado uma ofensiva militar à Ucrânia na passada quinta-feira, estimava-se que cerca de 100 000 ucranianos já teriam sido deslocados como resultado da invasão. De acordo com as últimas estimativas, este número pode vir a chegar aos sete milhões. Este movimento massivo de pessoas dentro da Europa, apenas comparável em escala ao registado na Segunda Guerra Mundial, pode levar a uma catástrofe humanitária.

Não se sabe quantos destes fugitivos regressarão a casa, tudo dependerá, em grande medida, do desfecho desta guerra. No entanto, é provável que parte dos refugiados ucranianos venham a ser uma presença permanente nos países de acolhimento, a julgar pelos resultados de um estudo da RAND Corporation, de acordo com o qual, dez anos após o fim de um conflito, menos de um terço dos refugiados regressam ao país de origem.

Esta crise de refugiados não é um evento isolado. Segundo a Agência das Nações Unidas para os Refugiados, existiam no final de 2020 mais de 82 milhões de pessoas deslocadas à força, entre os quais quase 30 milhões eram refugiados. E as perspetivas não são brilhantes. Anuncia-se um período de grandes pressões migratórias devido a uma variedade de causas, incluindo os desequilíbrios demográficos e económicos existentes entre a Europa e a África e as alterações climáticas.  A crise Europeia dos refugiados tem sido encarada como um problema de quantidade: o número de migrantes pode ser demasiado elevado para ser absorvido pelos países Europeus. Mas, não há razão, nem desculpa, para fazer a alocação de forma ineficiente. “Quem é colocado onde” é uma questão importante. Um engenheiro sírio, por exemplo, pode ser colocado numa pequena localidade onde dificilmente poderá usar as suas capacidades, enquanto um agricultor pode ser enviado para uma cidade movimentada. Isto prejudica os dois lados: os refugiados, que não são capazes de encontrar emprego, e as comunidades de acolhimento, que não conseguem integrar os novos membros.

A solução para estas incompatibilidades frequentes é a utilização de um sistema de alocação centralizado, à semelhança dos mecanismos usados ​​para colocar professores em escolas públicas, alocar alunos a cursos de ensino superior público e até dadores de um rim a pacientes em diálise. Em cada caso, casam-se os dois lados de um mercado onde não existem preços ou onde os preços desempenham um papel muito limitado. No caso dos refugiados, cada família revelaria preferências em relação à área na qual preferiria viver e, por seu lado, as comunidades locais também expressariam preferências, eventualmente dando prioridade a refugiados com competências requisitadas pela economia local. Esta informação seria então agregada por um sistema de alocação centralizado e usada para alocar refugiados a comunidades.

Sistemas semelhantes, como o baseado no software Annie MOORE (acrónimo de Matching and Outcome Optimization for Refugee Empowerment), em homenagem à primeira migrante a entrar nos EUA pela Ilha de Ellis, já são usados nos EUA. O Annie MOORE foi desenvolvido por economistas das Universidades de Oxford, de Lund e do Instituto Politécnico de Worcester e usa dados sobre o mercado de trabalho para propor uma distribuição de refugiados que maximiza a probabilidade de encontrarem um emprego.

Um sistema de alocação deste tipo não cria de imediato lugares para reinstalação de refugiados, mas pode ajudar a garantir que nenhuma oportunidade seja desperdiçada. E, no longo prazo, ao aumentar a qualidade da alocação e melhorar o processo de integração, pode até fazer com que as comunidades de acolhimento estejam dispostas a receber mais refugiados. Na presença de migrações humanas em larga escala, um sistema de alocação bem desenhado pode aliviar os problemas de escassez. Trata-se de um grande desafio, também para a economia do bem comum.

Referências

Ler Mais