Combate ao desperdício alimentar, um desafio para a economia global

Por Maria Tolentino, Country Diretor da Too Good To Go em Portugal

Consideremos o seguinte: para produzir um hambúrguer são necessários cerca de 2.400 litros de água. E para cultivar uma maçã terão de ser utilizados cerca de 125 litros de água. Para além de que a produção de uma única banana usa a água equivalente a ter a torneira aberta durante 10 minutos. Não é por acaso que o desperdício alimentar é o desafio 12.3 dos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável, das Nações Unidas. E cada um de nós tem um papel crucial no seu combate.

Anualmente, mais de 2,5 mil milhões de toneladas de alimentos são deitadas fora em todo o mundo. Só na Europa, registam-se perdas de 88 milhões de toneladas anualmente. Numa ótica financeira e, mais uma vez, à escala global, o custo do desperdício alimentar é de cerca de mil milhões dólares por ano. Estes dados dramáticos levantam sérias questões na esfera social, pois mais de 828 milhões de pessoas sofrem de fome por todo o mundo. Inadmissível, pela realidade acima apontada.

Os dados não se ficam por aqui e exigem respostas concretas e imediatas. Não é admissível que 30% da produção com origem em terrenos agrícolas férteis termine nos caixotes do lixo dos quatro cantos do planeta. A redistribuição alimentar tem um papel crucial em todo este processo. E é nesse sentido que a educação, regulamentação e políticas públicas são algumas das soluções que visam reduzir desperdício ao longo desta década. Urge alcançar resultados a longo prazo, que respondam a um planeta que parece cada vez mais exaurido de recursos.

Não é apenas a situação humanitária que urge considerar. Também a componente ambiental e de sustentabilidade merece especial atenção.

Um dos impactos diretos é o aproveitamento de recursos. Por exemplo, a produção alimentar é responsável pelo alto consumo de água, que responde a aproximadamente 70% dos recursos globais de água doce. Aliás, o desperdício de alimentos representa 24% de toda a água utilizada na agricultura.

Numa perspetiva de impacto ambiental, o desperdício alimentar é responsável por 10% de todas as emissões de gases com efeito de estufa causadas pelo homem, mais do que o impacto causado pela indústria da aviação. Ao encontrar soluções que mitiguem este problema, também se responde ao desafio de limitar o aumento da temperatura a não mais de 2˚C até 2100. E, refira-se, o desperdício alimentar não só agrava as emissões de CO2e.

 

Estado da Arte em Portugal

Também em Portugal, temos a obrigação de assumir um papel mais ativo. E temos muito para mudar. Ou não desperdiçássemos mais de 1,8 milhão de toneladas de alimentos todos os anos, o equivalente ao peso de 40 navios Titanic. Nada mais que 3,6 kg de alimentos que não cumprem a sua função, a cada minuto.

A nível financeiro, representa um custo a rondar os 3,3 mil milhões de euros – similar ao pedido adicional recentemente feito por Portugal à União Europeia, no âmbito do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência). Mais a fundo, e de acordo com um estudo desenvolvido pela  Appinio para a Too Good To Go, cada português perde 28€ mensais com o seu desperdício alimentar, valor que aumenta para 33€ junto dos jovens entre os 18 e 24 anos. Tal resulta numa média anual de 336€ perdidos em más práticas de gestão alimentar.

É curioso que a fase da cadeia produtiva alimentar onde mais se desperdiça alimentos seja nas nossas próprias casas, ao contrário das ideias pré-concebidas de muitos, que apontam para a fase de produção e processamento. Cabe-nos, pois, mudar comportamentos, criar tendências. O Objetivo para o Desenvolvimento Sustentável 12.3, visa reduzir para metade e à escala global, até 2030, “o desperdício de alimentos per capita, tanto a nível de retalhistas como de consumidores, e reduzir os desperdícios de alimentos ao longo das cadeias de produção e abastecimento, incluindo os que ocorrem pós-colheita”.

Estamos prontos para cumprir a nossa quota-parte?

 

 

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