As Comunidades de Energias Renováveis públicas em Portugal, verdade ou utopia?

Por Ana Bernardo, Diretora Executiva da ACEMEL

De acordo com a Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, Portugal assumiu o compromisso de atingir a neutralidade carbónica até 2050, criando para tal um plano de ação para a sua concretização. De entre as diferentes medidas detalhadas no decreto-lei n.º 15/2022 de 14 janeiro que visam assegurar, por parte do sistema energético nacional, o cumprimento desse compromisso, as comunidades de energia renovável são um instrumento poderoso, pelo seu potencial de distribuição em todo o país. Esse impacto levou mesmo a comissão europeia a criar apoios específicos ao desenvolvimento destas comunidades no espaço europeu.

Ao analisarmos a referida lei ficamos a perceber que as comunidades de energia renovável devem assentar numa entidade coletiva, de caráter público ou privado, assumindo-se que o seu principal propósito será o de propiciar aos membros, ou às localidades onde opera a comunidade, benefícios ambientais, económicos e sociais em vez de lucros financeiros, sendo equiparável à natureza de uma cooperativa.

Uma vez que a lei prevê que estas comunidades possam ser constituídas por entidades coletivas de natureza pública, o seu enquadramento na reforma do Regime Jurídico da Atividade empresarial local e das participações locais, o RJAEL, já deveria ter acontecido.

Essa reforma permitiria que as autarquias locais conseguissem ter autonomia para promoverem a criação de uma CER, e dessa forma assegurassem de forma duradoura o principal propósito da sua criação, ou seja, que esta permanecesse em funcionamento para o bem da comunidade.

Fazendo uma análise rápida, podemos facilmente concluir que não existem CERs criadas por municípios em território nacional, mas sim uma forma enviesada de conseguirem alcançar o mesmo objetivo, através do Autoconsumo Coletivo.

São inúmeros os chumbos do Tribunal de Contas, referentes a autarquias ou juntas de freguesia que tinham como perspetiva a criação de uma entidade jurídica como uma cooperativa, associação, fundação ou sociedade que tenha como objetivo final a criação de uma CER.

Estas decisões são resultado da impossibilidade legal de a administração local impulsionar através do RJAEL a criação destas entidades, acabando esta por contornar essa limitação através da implementação de autoconsumos coletivos, visto não ser exigível a criação de uma entidade jurídica, ou através da participação em entidades coletivas já criadas que acabam por desvirtuar a verdadeira génese da CER contemplada quer pela Diretiva Europeia como pela lei transposta para a legislação nacional.

Esta realidade é díspar de outros países europeus, entre os quais Alemanha, Grã-Bretanha, Suíça e Noruega. Nestes países há milhões de cidadãos a participar nestas comunidades, promovidas por entidades públicas, contribuindo também para a caminhada da transição energética.

Através desta realidade além-fronteiras é possível concluir que atingir estes objetivos não é uma questão técnica ou tecnológica, e menos ainda falta de interesse por parte das entidades envolvidas, ou incentivos à sua dinamização no contexto europeu. É necessário sim que exista vontade de reformas estruturais que permitam que novas ideias e oportunidades surjam. Foi criado no passado um comité de estudo para criar medidas que impulsionassem a criação de CER por entidades públicas. Infelizmente, não chegaram a ser divulgadas quaisquer conclusões ou novas ideias de implementação.

A entrada num novo ciclo político deverá ser também uma oportunidade para inovar nesta matéria, as medidas propostas já contemplam o aumento da flexibilidade de licenças para a constituição de CERs, o que já é um sinal positivo, mas continuam a faltar as reformas estruturais no modelo da administração local que permitam resolver os problemas objetivos, concretos e que nos permitam acompanhar os bons exemplos além-fronteiras. A transição energética, a bem das atuais e futuras gerações, e do planeta, não pode esperar.

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