Água, energia e transvases

Por Luís Gil, Membro Conselheiro e Especialista em Energia da Ordem dos Engenheiros

Muito se tem falado nos últimos tempos sobre os problemas relacionados com as alterações climáticas e, entre estes, os problemas dos fenómenos extremos como as secas e as cheias. Ao entrar em contacto com os meios de comunicação social através das suas várias vertentes e ferramentas informativas, somos inundados, quase diariamente, com notícias sobre secas extremas, intensas inundações, populações afetadas, mortes, prejuízos económicos…

No caso da energia, sabemos que para a implementação adequada das energias renováveis é necessário incluir sistemas de armazenamento de energia e de sistemas de gestão integrada, nomeadamente de eletricidade, dos vários tipos de produção desta forma de energia. Sabemos também que o recurso hídrico é um importante componente do sistema de produção de eletricidade e de armazenamento de energia, no nosso país nomeadamente por via renovável.

Notícias sobre como apesar de quantidades de precipitação intensas, nomeadamente no norte, o sul do país continuar a enfrentar uma escassez hídrica acentuada, são recorrentes. Mas estas informações, como a citada pelo Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos centralizam-se no que respeita ao abastecimento de água em Portugal. Não tem por isso em consideração o uso integrado para o consumo doméstico, industrial, agrícola etc. com as necessidades deste recurso para a produção de eletricidade.

Por isso seria, diria mesmo fundamental, estudar e se considerado possível, estabelecer um plano de transvases, complementando os existentes (no Alqueva, da bacia do Guadiana para a bacia do Sado, e outro na Cova da Beira, da bacia do Douro para a bacia do Tejo), das bacias nacionais com maior disponibilidade, para outras com menor disponibilidade, mas com base num plano integrado que não tivesse apenas em linha de conta o abastecimento do recurso água para consumo, mas também a sua capacidade de se tornar num recurso para a produção de eletricidade, nas várias regiões do país em função das necessidades do sistema energético nacional, e mesmo, eventualmente, com outros fatores.

No limite não se devia deixar que uma gota de água fosse descarregada no mar sem primeiro ter sido aproveitada ao máximo. Infelizmente isso não acontece e vamos ouvindo notícias sobre descargas de barragens, sem aproveitamento. Porventura não será possível fazer esse aproveitamento a 100% mas, no entanto, esse poderia com certeza ser muito aumentado.

Só como exemplo, refira-se que no final de outubro, a bacia do Ave tinha uma disponibilidade hídrica superior a 99% do volume total de armazenamento enquanto que no barlavento algarvio essa disponibilidade era pouco superior a 7%.

Saliente-se ainda que enquanto a água para consumo em grande parte não tem retorno, a água usada na produção de energia pode ser reaproveitada através de sistemas de bombagem apoiados por energias renováveis.

No entanto, se analisarmos o texto integral do PRR e fizermos uma consulta sobre a palavra “transvase”, o resultado é… zero! Será que mais uma vez passamos ao lado de uma excelente oportunidade? Ainda para mais, o projeto, construção, materiais, e mesmo equipamento teriam uma elevada incorporação nacional, com elevados benefícios para a economia nacional, só por esta via.

Sabe-se que esta solução dos transvases acarreta riscos e está longe de ser consensual, mas ainda assim impõe-se a necessidade de uma gestão preventiva das secas, focada na eficiência do uso da água, mas não só para consumo, integrando o fator energia nesta equação de gestão deste recurso e promovendo a circularidade da água, um conceito que está na ordem do dia.

 

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