A Vacina Menor: Malária ou COVID?

Por Joana Santos Silva, Professora de Estratégia e Diretora de Inovação do ISEG Executive Education

No dia 6 de outubro de 2021, foi anunciado que o mundo tinha descoberto uma vacina para a malária. A vacina, apesar de ser não perfeita, dá esperança a grande parte da polução mundial que vive com este flagelo.

No mundo desenvolvido, quase que nos tínhamos esquecido das doenças infectocontagiosas até que surge o COVID-19. Contudo, nos restantes países do mundo, doenças infeciosas como a malária, matam de forma generosa, silenciosa e são de combate difícil. Nos países em desenvolvimento, a malária é a doença infectocontagiosa com maior mortalidade, ultrapassando a tuberculose e o VIH/SIDA.

A malária é uma doença evitável e curável, mas que pode ser muito fatal. É causada por parasitas que são transmitidos através da picada da fêmea do mosquito Anopheles. Se consideram ser difícil prevenir contra um vírus como a COVID-19, imaginem o que seria pensar que qualquer picada de mosquito poderia ser o início do fim…

Em 2019, estimava-se que haveria 229 milhões de casos de malária em todo o mundo, o que representava por sua vez 409 000 mortes no mesmo ano. 67% das mortes seriam atribuídas a crianças abaixo dos 5 anos de idade, pois constituem a população mais frágil para esta doença. Atualmente, 50% da população mundial vive em zonas endémicas da malária, mas devido ao acesso a cuidados profiláticos, inseticidas e outras medidas, a consequência da doença é muito diferente constante a acessibilidade a cuidados. Hoje, 94% das fatalidades acontecem em África.

Será por isso que esta vacina não fez notícia pelo mundo?

Por coincidência, o dia 25 de abril, conhecido pelos portugueses por ser o Dia da Liberdade também é o Dia Internacional da Malária. Em Portugal, ainda na primeira metade do século XX, a malária incidia nas populações rurais, em particular aquelas associadas aos campos de arroz. Por outro, teve um impacto sério na população que lutou na Guerra do Ultramar. Ex-combatentes padeciam da doença muitas vezes de forma não diagnosticada e com sequelas que seriam identificadas tardiamente.

Assim, como é que num país com uma história tão próxima da malária quase não se ouviu falar num desenvolvimento científico com um impacto tão importante para metade da população do mundo?

A vacina desenvolvida e aprovada tem o potencial de salvar milhares de vidas anualmente, em particular, vidas de bebés e crianças muito jovens. Por si só, seria um motivo de celebração…

O desenvolvimento bem-sucedido de uma vacina segura, eficaz e com potencial de distribuição para as populações mais frágeis é um evento histórico digno de comemoração e de mediatismo com impacto mundial. É um facto que é uma doença rara no mundo desenvolvido, mas é uma doença que até há relativamente pouco tempo impactava grande parte da população do mundo, incluindo Portugal.

Na perspetiva científica, é mais difícil matar um parasita do que um vírus ou bactéria. Aliás, um parasita pode atacar o mesmo indivíduo mais do que uma vez. Estima-se que nos países endémicos, as crianças sejam infetadas em média até 6 vezes por ano. Têm de dormir debaixo de camas com redes, os tratamentos farmacológicos são agressivos e a exposição continuada ao parasita compromete o sistema imunológico. Imaginem se fossem os vossos filhos? Tudo por causa de um mosquito que ataca de forma quase “invisível”.

Falamos tanto a respeito da vacina contra a COVID-19 que foi francamente fundamental para começar a acabar com a “nossa” pandemia, mas será que a vacina da malária é menos importante? Ou será apenas menos digna de informação e mediatismo porque esta doença não nos é tão próxima? Afinal, seremos solidários ou apenas preocupados com o que nos afeta diretamente?

A vacina da malária foi uma conquista para a humanidade e merecia um pouco mais de reflexão, divulgação e jubileu. Mais do que isso, merecia e merece mais investimento para assegurar que ela agora chega onde é mais precisa. Se se preocupam passem a palavra, pois a notícia é boa, muito boa!

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