A utilidade da tecnologia e o tecnostress

Por Pedro Neves e Filipa Castanheira, do Observatório de Liderança e Bem-Estar, da Nova School of Business and Economics

 

Nas últimas décadas, a investigação sobre as vantagens do uso da tecnologia tem crescido de forma prolífica. Uma parte substancial desta investigação tem-se focado na identificação de estratégias que potenciam e facilitam o uso da tecnologia.

São evidentes as vantagens ao nível da capacidade de trabalho, de ligação entre pessoas, equipas e geografias, bem como ao nível da transformação do próprio modus operandi e dos ganhos financeiros consequentes.

Um pouco por todos os setores, a tecnologia tem vindo a recriar os espaços organizacionais e a mudar a forma como as pessoas trabalham, socializam e colaboram. Tal foco não é surpreendente se assumirmos que as grandes mudanças pelas quais as organizações estão a passar envolvem – em maior ou menor medida – a adoção de novas soluções tecnológicas e a ampliação das competências tecnológicas dos utilizadores. Este é um fenómeno global e que em Portugal já vinha a ter uma expressão muito significativa.

De acordo com o relatório da Comissão Europeia sobre o index de Economia e Sociedade Digital de 2019, quase ¾ dos utilizadores de internet da UE (com trabalho ativo) utilizam Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) no seu trabalho e, em Portugal, foi observada a maior percentagem de trabalhadores (30%) cujas principais tarefas de trabalho sofreram alterações devido à introdução de novos softwares ou de equipamento tecnológico.

Se pensarmos no último ano, vemos como esta situação foi agravada pelo contexto de pandemia. Não só houve um aumento exponencial na utilização de tecnologia (todos nós nos tornámos peritos em teams, zoom e outras tantas soluções e plataformas), como esta veio acompanhada por uma alteração profunda do modelo de trabalho em que o remoto se tornou a palavra de ordem. Arriscamo-nos a dizer que a frase mais repetida em 2020 terá sido “Estás mutted. Liga o microfone”.  Esta mudança de paradigma trouxe consigo uma questão fundamental: e se a mesma tecnologia que nos ajuda a trabalhar melhor e mais depressa também nos estiver a tornar mais stressados e incapazes de desempenhar as nossas funções?

Esta é a questão que guia a linha de investigação sobre tecnostress que estamos a desenvolver atualmente no Observatório de Liderança e Bem-Estar na Nova School of Business and Economics.

O tema do tecnostress – stress causado por uma incapacidade de utilizar tecnologias de forma saudável – não é novo, sendo possível encontrar referências ao tema quase tão antigas como a própria fundação da Apple. O tecnostress envolve várias dimensões, duas das quais particularmente importantes no contexto atual: a tecno-invasão e a tecno-sobrecarga. A tecno-invasão diz respeito à medida em que a tecnologia invade os domínios da vida pessoal e familiar, ao passo que a tecno-sobrecarga remete para o aumento do ritmo e da quantidade de trabalho devido à utilização tecnológica.

Façamos um pequeno teste. Pense nas seguintes questões: Já deu por si a pensar que tem de trabalhar com horários muito apertados por causa das tecnologias móveis? Ou que tem uma carga de trabalho maior devido ao aumento da complexidade das tecnologias móveis? Costuma sentir que a sua vida pessoal está a ser invadida por causa das tecnologias móveis ou que passa menos tempo com a sua família devido às tecnologias móveis? Se a sua resposta é consistentemente afirmativa, então pode ser um indicador de tecno-stress.

O nosso estudo mostra que as pessoas que sentem mais tecnostress tendem a desenvolver padrões de dependência (utilização obsessiva e compulsiva da tecnologia), particularmente quando a utilidade da tecnologia é vista como elevada, com consequências para a sua capacidade de trabalho e criando uma espiral negativa em que tecno-stress e dependência se reforçam mutuamente.

Este resultado é importante para as empresas, pois o discurso sobre a utilização de tecnologia tende a focar-se apenas nos aspetos positivos, relegando para segundo plano as potenciais consequências negativas dessa mesma utilização excessiva.

O objetivo do estudo não é demonizar a tecnologia – aliás, tal seria difícil de entender dados os benefícios visíveis do acesso e utilização da tecnologia tais como a manutenção de rotinas em plena pandemia, o acesso a informação em tempo real ou a capacidade de trabalhar de forma remota, de gerir equipas dispersas geograficamente e de facilitar a gestão de processos organizacionais.

O nosso objetivo é ajudar as organizações a tirar partido da tecnologia ao mesmo tempo que minimizam os seus potenciais danos. A utilização de tecnologia deve ser estimulada e apoiada, mas têm de ser definidas fronteiras e regras claras de utilização para garantir que os benefícios continuam a sobrepor-se aos obstáculos e que não estamos inadvertidamente a potenciar padrões de utilização obsessivos cujas consequências negativas são cada vez mais visíveis.

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