A transição energética e o valor económico para Portugal: Custo ou investimento?

Por Rogério Paulo, Business Development Director de Energia da Critical Software

Num período de transição governativa em Portugal, tem-se debatido o papel do país na ação climática com base num contexto económico restritivo e num quadro geopolítico global conturbado e marcado pela guerra na Europa. Este cenário tem exigido, naturalmente, uma redefinição das estratégias e políticas orçamentais da União Europeia a curto e longo prazo. O recente anúncio da primeira estratégia industrial de defesa europeia sinaliza uma mudança nos vetores de investimento, complementando-se com o REPowerEU, uma iniciativa da Comissão Europeia para reduzir a dependência de combustíveis fósseis russos até 2030, em resposta à invasão russa da Ucrânia em 2022. A segurança do abastecimento energético tem-se tornado, assim, uma preocupação crucial, impulsionando a transição energética num contexto geopolítico alterado.

A transição energética deve, portanto, ser vista como um imperativo para a sustentabilidade do planeta e uma oportunidade para a inovação e criação de valor, negócio e emprego qualificado. Um elemento fundamental desta transição é o reforço do papel da eletricidade como fonte renovável, como forma de energia disponível em todos os pontos de utilização, incluindo a mobilidade, o aquecimento e a indústria. Contudo, enfrenta ainda grandes desafios, especialmente na modernização da rede elétrica, essencial para a transição.

A rede precisará de investimentos avultados, não apenas ao nível da geração de energia renovável, mas também em infraestruturas de carregamento para veículos elétricos e na atualização do mix energético em diversos setores. De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA), até 2040 será preciso adicionar ou substituir cerca de 80 milhões de quilómetros de linhas e cabos em todo o mundo. Isto é, mais ou menos, o mesmo que toda a infraestrutura existente à data, com o investimento anual a duplicar, atingindo 600 biliões USB em 2030. Representa, portanto, um desafio técnico e financeiro considerável.

Além das questões de infraestrutura, a transição energética também levanta preocupações sobre a disponibilidade de matérias-primas, algumas das quais são raras, e o custo ambiental associado à sua extração. É crucial considerar estratégias de reciclagem e mineração sustentável para evitar criar problemas de sustentabilidade enquanto se aborda a crise climática.

No entanto, existem soluções digitais que podem reduzir a necessidade da utilização de materiais e acelerar a transição para a energia elétrica. A implementação de redes inteligentes e a gestão flexível do sistema podem aumentar significativamente a eficiência do uso das redes elétricas, alinhando o consumo com a disponibilidade de energia renovável. Alguns dos novos componentes de redes digitalizados hoje disponíveis, já permitem reduzir tempos de instalação de novas subestações de rede em até 50% e reduzir a utilização de cobre, por exemplo, na ordem das muitas dezenas de toneladas por instalação.

A gestão inteligente da procura pode alinhar o consumo com a energia renovável. As redes inteligentes são cruciais para a descarbonização global e a segurança energética. Isso abre novas oportunidades de negócio em escala sem precedentes. Cerca de 20% do investimento anual nas redes elétricas agora vai para software, serviços digitais e ativos inteligentes. Países como o Reino Unido ou a Alemanha já estão na liderança desta mudança, com a restante Europa e os Estados Unidos muito próximos.

Em Portugal, a transição energética oferece oportunidades comerciais bastante vantajosas. O país pode exportar minerais raros, produzir H2 verde e oferecer serviços digitais. No entanto, o setor da Energia em Portugal é essencialmente constituído por grandes empresas importadoras de tecnologia e engenharia. O tecido empresarial está longe de estar equipado para gerar e capturar valor económico sustentável baseado em conhecimento face ao potencial da oportunidade, não obstante um conjunto de condições positivas.

A Europa lidera, certamente, a transição energética, mas a competição é global, com fusões e aquisições e a entrada de players asiáticos na corrida pela tecnologia diferenciadora e pela quota de mercado. Em 2023, 1700 dos 2800 biliões de dólares investidos mundialmente na energia foram aplicados na transição energética, segundo os dados da IEA. Se, além do investimento em infraestrutura, geração, distribuição e consumo, colocarmos na equação a descarbonização da operação e cadeias de valor industriais, as tendências corporativas relacionadas com a sustentabilidade, e a disponibilidade de financiamento para investimento “verde”, estamos perante um momento inigualável. A oportunidade é enorme e é agora que precisamos de empreendedorismo, liderança e gestão.

 

 

 

 

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