A Italianização da economia
Por Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati
Há uns dias atrás ouvi com atenção, um amigo que muito estimo e com um conhecimento sábio, caracterizar o futuro da nossa economia. Algo que prevejo já há algum tempo mas nunca soube que nome lhe atribuir. É mesmo este nome: a “Italianização” da economia Portuguesa. Neste país, Itália, os governos duram em média 13 meses (apesar dos mandatos serem de 5 anos) e existem 68 primeiros ministros depois do fim da segunda guerra mundial (em 78 anos). Esta instabilidade é muito causada pela estrutura de poder Italiana, pelo facto do Parlamento italiano, formado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, ter um grande número de partidos. Partidos que formam coligações para apoiar o governo ou atuam na oposição. Ou seja, uma instabilidade política extrema a cada 13 meses, que impossibilita qualquer rumo estratégico político. Mas apesar disso, a Itália tem uma economia industrial diversificada e proeminente. O Produto Interno Bruto (PIB) da Itália cresceu 3,9% em 2022, acima da previsão de 3,7% do Governo. Atualmente, o país possui a 11ª maior economia do mundo e a 4ª maior economia da Europa, quando medida pelo seu PIB per capita. Ou seja a instabilidade política certamente prejudicou a economia mas não a destruiu. Porquê? Porque nas economias modernas, são as empresas que definem a dinâmica económica do país. O poder apenas pode facilitar e potenciar, ou criar obstáculos, ao empreendedorismo e à inovação inata das empresas. O estado tem de regular, fiscalizar, promover o apoio para permitir o elevador social, mas ter um papel mínimo e quase invisível na economia. O orçamento de estado não pode ser a “Bíblia” pela qual todos os empresários anseiam conhecer, para fazerem os seus negócios, assim como o seu planeamento fiscal.
A gestão pública é tendencialmente ineficiente, por inúmeros fatores. Desde logo pelos baixos salários pagos aos gestores, à burocracia e redundâncias existentes, à inexistência de um modelo meritocrático, à falta de avaliação e escrutínio da execução e follow-up dos planos aprovados, a todo o modelo público. Portanto basear o crescimento económico no orçamento de estado e investimento público financiado por elevados impostos, é uma má estratégia. A Itália demonstra isso mesmo, apesar da elevada cobrança fiscal. Não obstante o governo estar atualmente assente numa coligação de 3 partidos, uma dívida pública elevada, desemprego, elevados níveis de evasão fiscal, burocracia, a falta de investimento nas infraestruturas de transporte, os problemas energéticos, a seca severa na parte norte do país, as crises migratórias, algumas interrupções continuas nas cadeias de abastecimento, uma inflação alta e persistente, uma dívida externa elevada e até com um orgulho nacional algo “amachucado”. Mas o ecossistema de pequenas e médias empresas exportadoras, um disruptivo espírito criador de design, empreendedor e inovador do empresarialismo Italiano, aliado a um sistema financeiro forte, sempre permitiu superar estes obstáculos. Aliás como o sistema financeiro que sempre foi bastante resiliente, conservador e sólido. E conseguiram melhorar, pois agora os empréstimos não produtivos dos bancos diminuíram, ao mesmo tempo que suas posições de capital se fortaleceram.
Em suma, vemos aqui todos os problemas de que Portugal sofre. E talvez a resiliência dos empresários Portugueses está a tornar-se “Italianizada”. Veja-se um dos fatores mais relevantes de 2022: as exportações de Portugal atingiram cerca de 50% do PIB, antecipando em cinco anos a meta que o governo tinha estabelecido. A economia funciona mesmo sem o “interruptor do estado”.
Teremos ultrapassado o modelo económico de baixos níveis qualificação e de inovação, baixo valor acrescentado e baixos salários? Resultante do triplo choque da adesão ao euro, a adesão da China á OMC e a abertura da UE aos países de leste. Julgo que sim! As empresas modernizaram-se, especializaram-se, aumentaram as qualificações e em consequência o talento interno (difícil de reter, é verdade), reconfigurando a economia nacional que nos tem proporcionado crescimentos sustentados. Infelizmente ainda insuficientes. Mas este ambiente “italianizado” de negócios gera externalidades positivas ao nível de inovação, internacionalização, infraestruturas, qualificação dos RH e projeção internacional, entre outros. Estamos a meio do caminho e o orçamento de estado deve ser apenas mais um dos documentos macroeconómico relevantes para as empresas. Mas um entre outros, que pelo menos “não estorve” as empresas e que não seja a “Bíblia” da economia nacional. Seguindo a máxima económica de “em tempos de crise, muitos choram, alguns aproveitam para vender lenços de papel”!