A (Ir)racionalidade dos números

Por Ana Côrte-Real, Faculty & eMBA Director – Porto Business School

No atual contexto da gestão, particularmente no âmbito do crescente interesse pela gestão de talentos, a importância de atrair e reter pessoas qualificadas atingiu uma importância crucial. No entanto, não deixa de ser desconcertante o facto de algumas empresas persistirem em ancorar as suas práticas de gestão na irracionalidade dos números. Esta questão leva a refletir sobre a potencial desconexão entre a reconhecida importância da gestão de talentos e as práticas predominantes em certas organizações.

A literatura académica tem contribuído para a clarificação sobre as dimensões multifacetadas da gestão de talentos, sublinhando a sua importância estratégica para o sucesso organizacional. Académicos como Peter Cappelli, na sua obra “Talent on Demand: Managing Talent in an Age of Uncertainty”, e Jean Martin e Conrad Schmidt, autores de “Talent Intelligence: What You Need to Know to Identify and Measure Talent”, sublinham a necessidade de uma abordagem holística da gestão de talentos. A fixação (ir)racional em métricas numéricas, pelo contrário, parece ignorar a natureza do talento e o seu impacto na dinâmica organizacional.

Este paradoxo convida a explorar as potenciais repercussões de se confiar apenas em indicadores quantitativos num domínio tão complexo como a gestão de talentos. A integração de conhecimentos de perspectivas académicas, juntamente com provas empíricas, poderia oferecer uma compreensão mais abrangente dos desafios colocados pela (ir)racionalidade dos números no contexto da gestão de talentos.

Esta questão está intrinsecamente ligada à não menos importante reflexão sobre a qualidade da gestão. Autores, como Joseph M. Juran e W. Edwards Deming, têm defendido sistematicamente uma abordagem sistémica da gestão que transcende a focalização nos indicadores financeiros. Os seus trabalhos, incluindo o “Juran’s Quality Handbook” de Juran e o “Out of the Crisis” de Deming, sublinham a necessidade de as organizações darem prioridade não só à redução de custos, mas também à melhoria da qualidade global e à entrega de valor.

Podemos acrescentar complexidade a esta narrativa se incluirmos as injustiças feitas junto de indivíduos talentosos que são vítimas da (ir)racionalidade numérica nas decisões relativas à gestão dos recursos humanos. O infeliz despedimento destas pessoas, motivado apenas por medidas de redução de custos, não só acarreta prejuízos para o colaborador afetado, como também tem um impacto negativo na dinâmica da equipa e na liderança organizacional. Nestes casos, torna-se imperativo considerar uma mudança de paradigma, em que os recursos humanos talentosos afirmem o seu valor e, diplomaticamente cortem os laços com organizações incapazes de aproveitar as suas competências.

Esta minha reflexão é um apelo para que as organizações reconheçam e cultivem o talento como um ativo estratégico, promovendo um ambiente onde o potencial individual e coletivo se possa desenvolver, onde haja uma cultura de meritocracia e não se cometam injustiças em nome da (ir)racionalidade dos números.

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