A incompetente intervenção do Estado nas empresas: o caso BPP

Por Jaime Antunes, Presidente da Liminorke, empresa com um crédito reconhecido sobre a massa insolvente de 53 milhões de euros

 

Desde 2008, na sequência da crise do subprime, o Estado português entrou no capital de várias empresas, nomeadamente de bancos, sempre com prejuízo das empresas, dos trabalhadores e sobretudo com avultados encargos para os contribuintes. Há cerca de quatro anos o Estado nacionalizou mais de 70 por cento do capital da Efacec, com o argumento de que se tratava de salvar uma empresa estratégica para a economia. Desde essa altura meteu na empresa cerca de 300 milhões de euros e agora vendeu-a a um fundo alemão por um euro, assumindo ainda assim passivos contingentes, cuja dimensão não é totalmente clara.

Entretanto e fruto da gestão do Estado, a empresa perdeu quase 50 por cento dos trabalhadores com formação superior e deixou de cumprir com os seus clientes, a ponto de atrasar a entrega de equipamentos, simplesmente por não ter liquidez para pagar aos fornecedores. A participação majoritária que o Estado nacionalizou pertencia à empresária angolana Isabel do Santos. Neste caso o Estado português assumiu as dores do Estado angolano, que acusa a empresária de desvio de fundos, assunto com o qual Portugal e os portugueses nada têm a ver. A intervenção do Estado destruiu uma empresa importante, que empregava mais de dois mil trabalhadores, muitos deles com elevada formação técnica. Atualmente, a Efacec arrasta-se para se manter no mercado.

Em 2014, o Estado decidiu accionar o mecanismo de resolução do BES, funcionando como cobaia do novo mecanismo de resolução de bancos, acabado de aprovar na União Europeia. Intervenção sem estratégia, que começou com a nomeação de um Conselho de Administração para viabilizar o banco, presidido por Vítor Bento, para poucas semanas depois lhe “tirarem o tapete”, resolvendo o mais importante conglomerado de empresas em Portugal.Claro que tinha muitos problemas. Claro que a família Espirito Santo delapidou o seu bom nome com uma gestão incompetente, que penalizou trabalhadores, clientes e sobretudo os contribuintes.Pela forma errada como o Estado actuou no BES, os contribuintes foram chamados a pagar milhares de milhões de euros. Clientes do Banco e das empresas que gravitavam à sua volta perderam milhares de milhões de euros e o que restou para o Estado recuperar o que investiu? 25% do capital social do Novo Banco, que poderá um dia ser vendido para pagar ao Fundo de Resolução, ou seja, aos outros bancos.

Noutros países, nomeadamente em Itália, em que os bancos se encontravam ainda mais descapitalizados, ninguém resolveu bancos que, posteriormente e como resultado da evolução do mercado, conseguiram financiar-se e aí estão, com valor de mercado e sem custos para os contribuintes.O primeiro banco intervencionado foi o BPN, cuja nacionalização custou aos contribuinte milhares de milhões de euros, nunca recuperados.

Logo de seguida, em Novembro de 2008, o Estado nomeou um Conselho de Administração provisório para o BPP, um pequeno banco de gestão de fortunas, que entrou em dificuldades fruto da crise do subprime e de um parecer da Moody´s, que provocou uma corrida dos clientes às aplicações que tinham no banco.O Estado, através de um consórcio de bancos, emprestou 450 milhões de euros ao BPP, para garantir o passivo em Novembro de 2008.Como a nova administração era constituída por gestores nomeados pelo consórcio de bancos, concorrentes do BPP, logo tratou de defender os interesses desses bancos, perante a complacência do Estado.

Rapidamente pagou a todos os clientes estrangeiros, especialmente de Espanha e África do Sul, para evitar notícias nesses mercados sobre a primeira falência de um banco, por pequeno que fosse, na Zona Euro. Depois pagaram à Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, para evitar o efeito dominó que poderia acontecer caso esta instituição ali perdesse algumas dezenas de milhões de euros.

Cumprida a sua função de limitar os danos para o sistema bancário como um todo, evitando impacto da falência no estrangeiro, o Banco de Portugal tirou a licença ao BPP em 2010, anunciando a falência. Logo os bancos acionaram a garantia que o Estado lhes havia dado, com a condição de haver um plano de viabilização do BPP, o qual nunca viu a luz do dia. O Estado pagou os 450 milhões de euros aos bancos, constituindo-se como único credor garantido  da massa insolvente, reservando assim para si a primazia nos recebimentos da liquidez que a massa insolvente tivesse.

Catorze anos depois, a massa insolvente, gerida por uma Comissão Liquidatária nomeada pelo Banco de Portugal, pagou ao Estado 411 milhões de euros e tenciona pagar o resto com a entrega da colecção de arte do BPP. Ou seja, a intervenção do Estado permitiu evitar o risco sistémico da primeira falência de um banco na Zona Euro e os bancos portugueses recuperaram os 450 milhões que emprestaram ao BPP e eliminaram um concorrente relevante na gestão de fortunas.

Desta vez os contribuintes nada pagam. Quem paga? Os clientes portugueses do BPP que viram o Estado actuar no sentido de pagar aos clientes estrangeiros e levar grande parte da liquidez da massa insolvente para recuperar os 450 milhões de euros que pagou aos bancos. Agora ainda quer cobrar juros. catorze anos depois da falência, uma vez pagos todos os clientes estrangeiros e os institucionais portugueses, mais de 50 milhões de euros gastos pela Comissão Liquidatária com salários e prestações de serviços e liquidada a dívida ao Estado, restarão algumas (poucas) dezenas de milhões de euros para pagar uma dívida aos clientes portugueses de muitas centenas de milhões de euros.Desta vez, no BPP, não foram os contribuintes como um todo a pagar. Foram os clientes portugueses que o Estado discriminou relativamente aos estrangeiros.

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