A Guerra das Crianças

Por Joana Santos Silva, Professora de Estratégia e Diretora de Inovação do ISEG Executive Education

“As crianças não são apenas o futuro, como muitos dizem, elas já são o presente. Que a pureza delas venha contagiar o mundo e que essa fonte seja inesgotável.”- Letícia Butterfield

Na primavera de 2020 recebi um convite de uma organização internacional para fazer uma palestra online para os seus associados. O convite era para falar dos meus temas usuais de estratégia, tecnologia e negócio, contudo na altura enfrentávamos a primeira fase do COVID e a minha preocupação era outra. Convenci a organização que poderia fazer uma intervenção a respeito do impacto do COVID nas crianças.

Não sou especialista, todavia como mãe tinha imensas dúvidas sobre como gerir a situação de ansiedade provocada pela pandemia, por relatórios diários de mortalidade, pelas aulas à distância e a impossibilidade de socialização com os amigos. Na altura, pesquisei diferentes estilos de parentalidade e como ajudar as crianças em situação de crise.

Em retrospetiva e em comparação com a última semana, o COVID parece ser algo fácil. Hoje, as minhas dúvidas sobre lidar com e explicar a guerra ao meu filho de 12 anos são imensas. Na passada quinta-feira, falei com uma professora do ensino secundário que comentou que alunos do 11º e 12º anos perguntam se ainda poderão ir para a Universidade ou se terão que combater na guerra. Estou a falar de alunos portugueses…

Não pretendo comparar o terror inimaginável das crianças ucranianas com o contexto das nossas, porém temos que estar cientes de que esta guerra que o mundo enfrenta também impacta a 4.000 km de distância.

Anteriormente, acreditava-se num modelo “centro do alvo” ou, por outras palavras, que os efeitos negativos para a saúde mental de um desastre eram diretamente relacionados com a proximidade da pessoa ao centro do evento. Contudo, hoje entende-se que os efeitos extravasam muito o local imediato do incidente.

As crianças que são expostas a imagens e media da guerra podem sofrer uma forma de perturbação de stress pós-traumático (PSPT) secundário designada de trauma vicário ou fadiga da compaixão.

Concretamente, na sequência do ataque terrorista do 11 de setembro foi efetuado um estudo longitudinal a crianças e mães que não tiveram uma exposição direta ao ataque, mas que acompanharam as notícias e concluíram que 5,4% das crianças observadas desenvolveram sintomas de PSPT. Por outro lado, quanto maior o tempo dedicado às notícias, maior a probabilidade de desenvolver os sintomas.

Este efeito tem sido observado também noutros desastres sejam eles naturais, doenças ou guerras. A exposição a estes acontecimentos na televisão, nas redes sociais e outros media pode ter um impacto significativo e negativo nas crianças mesmo que elas não estejam fisicamente próximas do evento. Em 2021, a Academia de Pediatria Norte-Americana já tinha declarada um estado de emergência nacional a respeito da saúde mental das crianças e adolescentes

As reações emocionais dependem da idade da criança, do nível de desenvolvimento e do seu contexto pessoal. Maior dificuldade de concentração, reações de raiva ou de agressividade, maior isolamento ou mesmas queixas somáticas como dores de cabeça e de barriga podem ser consequência da exposição a estes eventos.

De acordo com estudos, em idades pré-escolar é mais provável assistir a uma regressão no desenvolvimento, enquanto crianças um pouco mais velhas farão muitas perguntas detalhadas a respeito da guerra e tendem a sentir-se mais inseguras. Por último, pré-adolescentes e adolescentes terão maior consciência do impacto e externalidades da guerra, porém menor propensão para partilhar sentimentos. São aqueles com maior probabilidade de desenvolver reações emocionais mais fortes por melhor entenderem as potenciais consequências da guerra…

Aproveito para partilhar algumas recomendações que me fazem sentido. Em primeiro lugar, limitar o tempo de exposição às notícias da guerra. Em segundo lugar, responder às questões colocadas de forma apropriada à idade e capacidade de compreensão da criança. Em terceiro lugar, não passar a nossa própria ansiedade, ou seja, enfatizar que estão seguros. (confesso que esta dimensão tem sido difícil para mim…). Por último, criar um espaço seguro para que possam partilhar os seus sentimentos e emoções. E preparem-se, pois, temo que iremos enfrentar esta situação por tempo indeterminado.

Por fim, manter a esperança na paz e no bom que existe no ser humano. Não posso deixar de ficar emocionada sempre que vejo a solidariedade e partilha que tem havido por parte de todos nestes últimos dias. No mundo existe mais bem do que mal, e pode demorar, mas iremos superar ainda mais este desafio. E nisto as crianças são o exemplo.

As crianças têm uma resiliência e adaptação ímpar. Para mim, as crianças são os nossos super-heróis e é por isso que devem ser protegidas, pois está nas suas mãos criar um mundo melhor e finalmente sem guerra!

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