A digitalização de um elemento essencial à vida: a Água

Por Hugo Rodrigues, responsável pelos mercados verticais da Indústria, incluindo o da Água, na Siemens Portugal

Estamos no Inverno, um período em que chove com frequência e, claro, pouca atenção se dá ao setor das águas. É quando chegamos ao início do Verão, perante alertas de seca por todo o país, incêndios florestais, contaminação de águas balneares, entre outros desafios, que voltamos a discutir este tema. Porém, é nosso dever preparar e antecipar os problemas que já sabemos serem frequentes, em vez de correr atrás do prejuízo.

A água é a base mais importante da vida – e quanto mais pessoas vivem no planeta, maior é a procura por este bem precioso e escasso. As alterações climáticas, a urbanização e o aumento da poluição ambiental colocam grandes desafios aos serviços de abastecimento de água: se por um lado – e em linha com os objetivos das Nações Unidas – têm de assegurar que todos têm acesso a água e saneamento, por outro estão também a ser pressionados para se tornarem mais eficientes e sustentáveis.

Mas comecemos por um rápido retrato deste setor tão importante e crucial para as sociedades em que vivemos. Em Portugal, o consumo de energia elétrica associado ao setor da água ultrapassa os 1000 GWh por ano, representando mais de 2% do consumo total de energia elétrica e contribuindo com cerca de 470 mil toneladas de CO2 por ano, o que equivale a 1% do total nacional de emissões. A nível mundial, esse consumo chega aos 4% do total de energia elétrica consumida.

Paralelamente, se por um lado existe ainda uma elevada ineficiência na utilização de energia por parte deste setor, também a água, em si, acaba muitas vezes por ser desperdiçada: de acordo com a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), em 2021, a média do país em termos de perdas nas redes de abastecimento situou-se nos 28,8%, correspondentes a 237 mil milhões de litros de água por ano, valor que se mantém relativamente constante há mais de uma década. Ou seja, há mais de 10 anos que não estamos a conseguir melhorar um indicador crucial, que poderia ser determinante na altura de enfrentarmos períodos de seca cada vez mais frequentes e severos, e de mitigarmos o impacto das alterações climáticas em Portugal.

Temos de ser mais eficientes em ambas as questões e é na tecnologia e na inovação que vamos encontrar as respostas de que precisamos. A digitalização e a descarbonização emergem assim como ferramentas cruciais para otimizar o setor das águas, e a implementação de tecnologias avançadas, já disponíveis no mercado, não só promove uma gestão integrada dos recursos hídricos e energéticos, mas também resulta em benefícios tangíveis, como uma maior eficiência e uma redução significativa no consumo de energia e nas emissões de gases com efeito de estufa.

A tecnologia abre também caminho para a resolução da escassez hídrica, especialmente num contexto em que 96% do território de Portugal Continental foi declarado em situação de seca extrema em 2017 e 2022, potencializando estratégias como a redução de perdas e fugas, a gestão inteligente dos recursos hídricos, a otimização da rega em diferentes setores, a dessalinização – projeto que se discute há vários anos para o Algarve, estando inclusivamente inscrito no Plano de Recuperação e Resiliência, e que se espera que possa em breve sair do papel para poder beneficiar o país e a população -, e o reaproveitamento de águas residuais tratadas. É de notar que a própria seca tem consequências na produção de energia renovável hídrica, o que atrasa a transição verde que todos ambicionam.

Há diversas tecnologias no mercado que já estão a fazer a diferença no setor das águas. A inteligência artificial otimiza a produção, tendo em consideração e prevendo o consumo de água e energia, identifica fugas e medidas de manutenção preditiva, enquanto os gémeos digitais e a simulação ou modelação de processos otimizam a gestão e o tratamento de água, aumentando a sua eficiência. A conectividade IIoT e os dispositivos Edge industriais recolhem, processam e transmitem, de forma encriptada, as informações de campo, permitindo um controlo centralizado, seguro e em tempo real das infraestruturas. Já a implementação de sistemas de gestão de microrredes permite uma maior integração de fontes de energia renovável, promovendo a descarbonização e resiliência deste setor crítico.

Um projeto a destacar é o que está a ser desenvolvido com a EPAL, que inclui a instalação de um centro de controlo de água, energia e monitorização de emissões de gases com efeito de estufa, único no país, e a implementação de soluções avançadas de telemetria. Este é um exemplo de como o setor das águas pode evoluir para uma gestão integrada de água e energia, de forma a atingir a meta de neutralidade energética das suas operações. É este o propósito da tecnologia: ser o catalisador para transformar desafios em oportunidades, impulsionando a transição para uma gestão mais inteligente, sustentável e resiliente dos recursos hídricos e energéticos, e trazendo um benefício claro, tanto para as pessoas, como para o desenvolvimento regional e o crescimento económico.

 

Fonte dos números que constam no artigo: https://www.ersar.pt/pt/site-comunicacao/site-noticias/documents/gt24-eficiencia-energetica.pdf

 

 

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