A descarbonização de processos industriais via calor solar

Por Luís Gil, Membro Conselheiro e Especialista em Energia da Ordem dos Engenheiros

Uma das atividades que urge descarbonizar é a atividade industrial, dado que a indústria é um setor energeticamente intensivo, responsável por elevadas taxas de emissões de gases com efeito de estufa, mas há alguns processos em que essa descarbonização não é fácil de concretizar. Nomeadamente no que se refere à geração e utilização de calor. No entanto, existe uma tecnologia já disponível, designada por Calor Solar, que tem um enorme potencial a nível da descarbonização industrial. Num estudo apresentado no início deste ano era referido que havia já mais de 1000 instalações implementadas, usando esta tecnologia, podendo por isso considerar-se uma tecnologia madura.

É referido neste estudo que o consumo de calor para médias e baixas temperaturas (até 400ºC) no setor industrial corresponde a cerca de 12% da procura de energia final a nível mundial sendo, até ao momento, quase exclusivamente proporcionado por combustíveis fósseis. Dados de há poucos anos indicavam que em Portugal, 69% dos consumos de energia final no setor industrial estavam associados à produção de calor, representando 21% do consumo total de energia final em todos os setores.

Esta tecnologia é fácil de integrar e combinar em sistemas de fornecimento de calor e com sistemas de armazenamento de calor adequados e relativamente baratos permite a utilização 24h/7dias por semana. É ainda facilmente escalável. Além disso utiliza sobretudo materiais não críticos como metais e vidro de fácil reciclabilidade.

O mesmo estudo indica que, com base em dados das instalações existentes, o custo nivelado do calor varia entre 30 a 70 €/Mwh, dependendo da temperatura pretendida, perfil de carga e dimensão da instalação. Mas estes custos tendem a descer muito e rapidamente, como foi demonstrado pela sua evolução nos últimos anos.

Embora os preços da energia estejam a aumentar significativamente e sofram de alta volatilidade e dependência de fatores externos, a tecnologia de Calor Solar pode produzir calor a custos fixos e isento de emissões de dióxido de carbono durante o tempo de vida da instalação.

A nível mundial o Calor Solar tem tido implementação sobretudo em áreas ligadas à indústria alimentar e das bebidas, e às indústrias metalomecânica, minas e têxtil. Mas existe um forte potencial para todas as indústrias com processos com gamas de temperaturas até 400ºC e com procura de calor ao longo de todo o ano. Num período em que, a nível europeu e nacional, se estabelecem objetivos para a redução da intensidade carbónica no setor industrial, a energia solar térmica dispõe de potencial para suprir as necessidades da maioria dos consumos de calor de processo, a baixa e média temperatura, sustentada por tecnologias já disponíveis no mercado.

A diversificação em relação a vetores energéticos e tecnologias associadas não apenas é necessária como deve ser mandatória. Além disso existe uma procura acentuada de sistemas de produção de calor industrial isentos de emissões de gases de efeito de estufa. O calor solar permite um fornecimento fiável de energia e com custos estáveis e aumenta a independência energética, para além de “conter” um elevado valor acrescentado adicional e fomentar empregos “verdes”. Surgem assim grandes desafios, mas também oportunidades, para as empresas.

Por tudo isto, deverão ser implementados mecanismos adequados de apoio nacional a estes investimentos a longo prazo. Paralelamente, deverá ser implementado um sistema de informação e discussão sobre o papel do Calor Solar neste domínio, quer a nível do setor industrial quer a nível dos decisores políticos. O estudo da hibridização desta tecnologia com outras tecnologias renováveis, como por exemplo a bioenergia, deve ser também objeto de apoio, utilizando competências existentes no sistema científico e tecnológico nacional.

Assim, será possível alavancar a descarbonização do setor industrial e empresarial e promover uma mudança de paradigma na utilização dos recursos concretizando medidas preconizadas e contribuindo para acelerar a transição para uma economia neutra em carbono.

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