A democracia da Inteligência Artificial

Por Francisca Lousada, Project Manager na Shift Your Branding Agency

Numa altura em que se aguarda a decisão judicial relativamente à acção apresentada em Dezembro do ano passado pela New York Times Company contra a Microsoft Corporation e a Open AI, decidi fazer uma reflexão sobre o assunto. O New York Times invoca a violação dos direitos de autor e argumenta que este género de modelos de Inteligência Artificial (IA) ameaçam o jornalismo e, por consequência, os regimes democráticos. Muito se tem debatido estas matérias – seja no âmbito deste processo ou fora dele -, mas hoje a democracia de que falo é a da criatividade.

Como tantas outras, também a indústria criativa tem sentido as consequências (sejam positivas ou negativas) dos novos modelos e ferramentas de IA. A questão central é perceber se estes novos modelos e ferramentas serão capazes de democratizar a criatividade e criar de uma forma equivalente à do ser humano. A Inteligência Artificial não surgiu recentemente. Na verdade, o conceito moderno de IA começa a ganhar forma no século XX pela mão de Alan Turing e desde então que a tecnologia tem sido aperfeiçoada. Avançando algumas décadas, vemos que assistentes virtuais como a Siri ou a Alexa – que utilizam IA – foram lançados nos anos 2000. As nossas plataformas de streaming favoritas (seja a Netflix, o Spotify ou outras) fazem uso dos mesmos modelos – seja para os seus sistemas de recomendação ou para optimizar conteúdo – e o GPS de que tanto dependemos, também. A IA não surgiu agora; o que mudou foi o fácil acesso a ferramentas que nos ajudam a criar e a competir (mesmo que o nosso nível de especialização naquela tarefa seja baixo ou nulo). A utilização deste verbo foi propositada porque me parece pertinente dividir a questão central em duas: perceber se a IA consegue criar de forma equivalente à do ser humano e, da mesma forma, perceber como é que podem os concorrentes – que têm acesso às mesmas ferramentas e oportunidades – distinguir-se?

Posicionar a Inteligência Artificial como oportunidade ou ameaça para os criativos é controverso. Se, por um lado, pode ser um catalisador, por outro, põe à prova as competências de cada um.

É relativamente consensual que a Inteligência Artificial permite melhorar a eficiência e traz oportunidades ao campo da experimentação. Num contexto em que o tempo parece sempre pouco, ferramentas como o Adobe Firefly (que inclui o

Photoshop Generative Fill, o Illustrator Recolor, entre outros), o Midjourney, o Microsoft Bing AI, o GigaPixel, o DALLE-E ou o aclamado Chat GPT, são um contributo positivo para a agilidade e produtividade das equipas. A experiência que temos tido na Shift é que estas ferramentas nos libertam de tarefas mais operacionais que até aqui consumiam muito tempo, o que nos permite, potencialmente, ajustar a nossa proposta de valor. No entanto, a produtividade só é positiva quando acompanhada de eficácia, razão pela qual o recurso à IA deve estar sempre sujeito ao maior exercício de sentido crítico. Mesmo quando nos ajuda a criar, exige de nós o dobro do escrutínio. Exige, também, uma direcção criativa (ou estratégica) apurada e exigente, da qual dependerá a qualidade dos resultados alcançados.

Lembro-me de crescer a ouvir que “liberdade vem com responsabilidade”. A meu ver, aqui podemos aplicar o mesmo racional. Ora, o desafio é conseguirmos canalizar para a dimensão estratégica e criativa o tempo que ganhamos na parte mais operacional e repetitiva do processo. O segredo é lembrar que, neste regime democrático, quando vamos a votos ganha a originalidade e não a rapidez.

 

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