A chave para retenção de talento feminino: Começamos por reconhecer o problema?

Por Joana Esteves, CCO da IDEA Spaces

A retenção de talento tem vindo a tornar-se um desafio crescente para a maior parte das empresas. O mercado de trabalho é cada vez mais competitivo e as propostas aliciantes vão marcando a facilidade com que se muda de trabalho. Se antes, as carreiras se faziam do tempo em que se ficava na mesma empresa, hoje fazem-se com rápidas mudanças e de pouco em pouco tempo.

Face a este cenário, é urgente que as empresas se ajustem e encarem de forma positiva a evolução dos modelos de trabalho, tendo em conta que esta perspetiva atualizada do mercado pode contribuir para a retenção de talento.

No entanto, este problema na retenção não se cinge apenas ao aumento do salário, ou ao aumento de dias de férias. Vai mais além e passa por fatores como a valorização profissional, a ligação com o propósito da empresa, as oportunidades para adquirir novos conhecimentos, um bom ambiente laboral ou a valorização da vida pessoal, fatores confirmados por múltiplos estudos, incluindo o mais recente relatório da Michael Page “Talent Trends 2023” .

Todos os pontos enunciados são pertinentes para encorajar a retenção de talento em empresas. Mas é importante também refletir sobre estratégias específicas para reter o talento feminino, sendo inevitável falar sobre feminismo.

A dificuldade na retenção de talento nas empresas está, em muitos casos, intrinsecamente ligada ao machismo presente no ambiente de trabalho. Em muitas empresas, o machismo já não é gritante nem violento, mas ainda opera de forma subtil, tornando a prática mais difícil de reconhecer e de denunciar. Exemplo disso é a utilização de adjetivação que coloca o outro em posições de submissão, como “menina/menino” vs “colega” ou a sobreposição pelo tom de voz em detrimento da escuta ativa e colaboração. Não sendo declaradamente violento, promovem um ambiente opressivo e de subjugação silenciosa.

A pertinência de combater este problema nasce no dever moral e de justiça, mas também no interesse próprio e económico das empresas. Prosperar e fazer crescer uma empresa de forma saudável, só é possível através da promoção de um ambiente  seguro, fértil para o crescimento de todos, incluído a massa trabalhadora mais qualificada, as mulheres. Apesar de sermos um país onde mais mulheres se formam, segundo os dados mais recentes do INE, continuamos a não ter essa representatividade em cargos de liderança e continuamos a ser dos países com uma significativa discrepância salarial entre géneros – note-se que apenas no ano passado foi promulgada uma lei de igualdade salarial entre homens e mulheres. É necessário e imperativo que os líderes façam esforços para promover e assegurar um local de trabalho que dignifique o trabalho das mulheres e que respeita o seu espaço de crescimento pessoal e profissional de forma igual e proporcional m dos homens não impondo a forma masculina, standardizada, como se esta fosse a única opção.

Para muitas empresas e líderes, ainda é difícil conceber a agressão que esta rede de discriminação constitui na liberdade de alguém e o impacto que tem na sua carreira e individualidade, e consequentemente na empresa. Não basta criar programas de apoio, que oferecem dias de licença menstrual ou facilidade de saída para apoio aos filhos, principalmente se estas medidas vieram de um lugar onde a crença é de que se está a fazer uma boa ação, uma que “vai ficar”, uma em favor dos “frágeis”.

O lugar de privilégio traz, naturalmente, ignorância sobre vivências de opressão – claro -, mas não se absolve de responsabilidade. É importante que haja vontade e modéstia para aprender. Tanto de homens quanto de mulheres.

Tendo vontade de tornar as coisas diferentes, a mudança inicia-se na cultura das próprias empresas, na forma como agem em situações críticas, de violência, mas também nas situações subtis do dia-a-dia. O problema existe, não está apenas nas notícias ou nos artigos de opinião, como este. É por isso imperativo que as empresas, todos os elementos que dela fazem parte, mas principalmente os seus líderes, façam o “trabalho de casa”, que procurem saber mais, que escutem mais. Só assim poderão corrigir o que é preciso corrigir, saber como agir, como ajudar e como fazer parte da solução necessária e urgente. Não se procura mais privilégio, apenas uma igualdade que o seja em todos os mundos, e não apenas num. A luta pela igualdade não é apenas uma questão de justiça social, mas também uma estratégia empresarial para o sucesso a longo prazo.

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