A “bazuca europeia” está à vista, mas as famílias portuguesas contemplam de longe

Por Nuno Garcia, Diretor-Geral da GesConsult

 

Falemos do Plano de Recuperação e Resiliência, ou, como muitos o chamam, PRR. A sigla que nos tem vindo a acompanhar desde o ano passado promete trazer um impulso grande à economia do país, após a crise causada pela pandemia, através do investimento em três grandes dimensões: resiliência (que irá receber 11.125 milhões de euros), transição climática (que contará com 3.059 milhões de euros) e transição digital (que contempla 2.460 milhões de euros). Ao todo, até 2026 serão distribuídos 16,6 mil milhões de euros, rumo à recuperação de várias entidades, públicas e privadas, que foram afetadas e que viram a sua atividade a abrandar, ou, em alguns casos, a parar totalmente.

Refere o calendário inicialmente previsto que a divisão de fundos seria feita de forma relativamente equivalente – em média, o país receberia a cada ano 20% dos fundos europeus. É interessante perceber que, segundo os serviços do Parlamento Europeu, Portugal é o terceiro estado-membro a receber a maior fatia dos fundos europeus, per capita – por cada português, o país acumula 1.612 euros. É muito dinheiro, direcionado a várias “fatias”, que permitem que quem mais necessita desta ajuda tenha as expetativas elevadas.

Numa altura em que tanto se discute a (falta de) habitação acessível em Portugal, bem como a pobreza energética do edificado residencial, vale a pena refletir sobre de que forma poderá o PRR ajudar a resolver estes problemas, através do impulso a um setor em específico: a Construção Civil.

 

A “bazuca europeia” considera que o apoio às famílias pode ser feito de diferentes formas:

1)            Através do apoio à construção de habitação acessível;

2)            Por via do programa Vales Eficiência, no valor de 1.300 euros cada um, que permitem que as famílias mais carenciadas consigam obter soluções energéticas mais eficientes nas suas casas;

3)            Através do reforço ao Programa Edifícios +Sustentáveis, apoiando a transição energética das casas de famílias de diferentes classes, com instalação de janelas eficientes, sistemas de isolamento e reaproveitamento térmico ou de painéis fotovoltaicos.

 

Olhando para os números, o PRR prevê disponibilizar 750 milhões de euros para a construção e regeneração do parque público de habitação, a custos acessíveis, a famílias cujo rendimento não está alinhado com o mercado imobiliário, e 300 milhões à reabilitação e eficiência energética dos edifícios residenciais, à responsabilidade do Fundo Ambiental. Eu diria que, no fundo, aquilo que se quer atingir é mais habitação e mais sustentabilidade, com o apoio de um dos setores que mais tem contribuído para a resiliência da economia nacional.

Porém, a execução da “bazuca” está a sofrer atrasos. Recentemente, o Governo revelou, no seu Plano Nacional de Reformas, ainda só ter gasto 90 dos 500 milhões que estavam previstos para 2021, estando atrasado em algumas metas do PRR, nomeadamente o parque habitacional público e o alojamento estudantil a custos acessíveis. Ou seja, o desafio parece perdurar, apesar de todos os esforços em contrário. No terreno, o efeito do PRR ainda não se sente e os players da Construção não estão a conseguir dar resposta às necessidades das famílias portuguesas.

Sempre defendi que, para se aproveitarem em pleno os fundos da Europa, é necessário existir uma colaboração entre os setores privado e público. Porém, as notícias mais recentes dão conta de que as empresas privadas fazem parte de uma “fatia” quase irrisória do PRR. Existem tantos apoios como obstáculos!

Enquanto não existirem incentivos reais às empresas, as famílias vão continuar a não ter respostas. É por aqui que passa a solução. O PRR pode, e deve, ser aplicado, de forma estratégica em entidades que permitam responder às necessidades dos portugueses. Acredito que, a partir daí, haverá uma maior “margem de manobra”. A expetativa para os próximos meses é grande – esperemos para ver se os players do setor vão, ou não, conseguir ajudar os portugueses a verem de perto aquilo que os fundos europeus planearam concretizar.

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