2017 – Um país menos risco
Por Paulo Carmona
Foram figuras controversas nascidas e criadas com a resolução, sem a qual não teriam tido provavelmente toda a dimensão e o espaço para o seu génio se afirmar.
2017 ficará marcado pelo desaparecimento de duas grandes figuras empresariais portuguesas, Américo Amorim e Belmiro de Azevedo. Não sendo o espaço nem a intenção de fazer obituários, não poderemos omitir este facto muito relevante e com isso reexaminarmos o tema do empresariado português.
Foram figuras controversas nascidas e criadas com a revolução, sem a qual não teriam tido provavelmente toda a dimensão e o espaço para o seu génio se afirmar. O facto de durante 74 e 75 terem saído de cena, ou fugido, antigos empresários e proprietários, fez com que fosse mais fácil crescer, por aquisição de fábricas de cortiça, ou brilhar nas empresas abandonadas. É um exercício interessante, mas fútil, pensar para onde os teria levado o seu brilhantismo sem o acelerador profissional que para eles constituiu a revolução.
Contudo, e apesar de serem muitas vezes referidos em conjunto, apenas partilhavam um certo desdém pelas suas fortunas, assumindo ambos um estilo de vida asceta e trabalhador. Tudo o resto os separava. Amorim expandiu a sua indústria de origem, tornando-a numa empresa à escala mundial dominando um produto, a cortiça. Não criava empresas e negócios, ao contrário de Belmiro, tirando algum entra e sai do sector financeiro, nem cultura empresarial e gosto em formar equipas, como o “Homem Sonae” ou profissionais que saíram do grupo para terem sucesso por conta própria noutras vidas.
Desde que levou a Corticeira Amorim aos píncaros e depois saiu, Amorim era o mais parecido com Corporate Raider que tivemos em Portugal, enquanto Belmiro era o criador e construtor típico de empresas e de riqueza, obcecado pela gestão do grupo e de pessoas. Amorim tinha um faro único para entrar e sair de sectores no timing certo. Assim aconteceu no imobiliário, na banca e, a acreditar nos rumores, teria acontecido na Galp quando o petróleo estava acima de 100 dólares. Um homem talvez mais rude e acintoso, de ideias claras, que terá criado uma tal fama de lone rider que poucos tinham vontade em ser seus sócios. Belmiro era mais afável, um gestor mais preocupado com conceitos de gestão, um homem da indústria, das tecnologias, da distribuição, do turismo de pessoas, e de causas como o Público, um projecto de give back à sociedade, de mecenas, uma “extravagância” cara para aumentar o pluralismo e o debate de ideias em Portugal.
Dois homens, duas figuras independentes do poder político que marcaram a vida económica portuguesa nos últimos 35 anos. Mais tivessem havido!
Este artigo foi publicado na edição de Dezembro de 2017 da revista Executive Digest.