Zelensky nos EUA para pressionar Ocidente a dar ‘luz verde’ ao uso de mísseis em território russo. Que ganhos espera Kiev?
A Ucrânia intensificou os apelos aos seus aliados da NATO para que lhe forneçam mísseis de longo alcance, uma questão que tem ganho importância internacional à medida que o conflito com a Rússia entra num novo estágio. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, deverá discutir o tema em reuniões com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e outros líderes mundiais durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque.
A possibilidade de fornecer à Ucrânia mísseis de longo alcance, como os Storm Shadow franco-britânicos e os Army Tactical Missile Systems (ATACMS) dos EUA, tem estado no centro de um debate aceso entre os aliados ocidentais. Esses armamentos podem ser usados para atingir alvos em solo russo, uma possibilidade que levanta preocupações sobre uma possível escalada do conflito. A Rússia já alertou que a utilização dessas armas contra o seu território poderia ser considerada um ato de guerra com a NATO.
Apesar dos receios de escalada, Zelensky tem pressionado para que o seu país tenha acesso a estas capacidades. Após um ataque russo a uma instalação militar em Poltava, que resultou na morte de mais de 50 pessoas, o presidente ucraniano criticou publicamente os seus aliados pela hesitação em fornecer armas mais poderosas. “Cada dia de atraso é, infelizmente, a morte de pessoas”, afirmou Zelensky.
Recentemente, a Ucrânia já recebeu Storm Shadows, embora a sua entrega só tenha sido confirmada oficialmente pelo Reino Unido depois de as armas terem sido usadas. O mesmo aconteceu com os ATACMS, que foram utilizados pela primeira vez em ataques a Lugansk e Berdiansk, controladas pelos russos, sem anúncio prévio. A Ucrânia comprometeu-se inicialmente a não usar essas armas em território russo, mas Zelensky, que está de visita aos EUA, agora desafia esse limite, pressionando os seus aliados a reverem essas restrições.
O pedido de Zelensky para utilizar mísseis de longo alcance em território russo tem um impacto não apenas militar, mas também político. De acordo com Matthew Savill, do Royal United Services Institute, esta é uma jogada arriscada que “desafia os aliados a apoiarem-no” e pode trazer grandes dividendos políticos. Um apoio público firme da NATO ajudaria a demonstrar à Rússia que a Ucrânia conta com o apoio internacional inabalável, segundo revelou o especialista à CNN internacional.
Por outro lado, o impacto militar dos mísseis de longo alcance é menos claro. Segundo os serviços de inteligência norte-americanos, muitos dos aviões russos que realizam bombardeamentos estão localizados a mais de 300 quilómetros do território ucraniano, fora do alcance dos ATACMS. No entanto, especialistas apontam que essas armas ainda podem ser eficazes contra infraestruturas militares russas, como quartéis-generais e depósitos de munições.
George Barros, do Instituto para o Estudo da Guerra (ISW), identifica 15 aeródromos russos dentro do alcance dos ATACMS e argumenta que, se a simples ameaça de utilização desses mísseis fez com que a Rússia deslocasse os seus aviões para bases mais distantes, isso já é uma vitória. Segundo ele, essa mudança poderia diminuir a capacidade de bombardeamento da Rússia e aumentar o tempo de reação da Ucrânia aos ataques.
Além dos aeródromos, a Ucrânia poderia atingir outros alvos importantes com os mísseis de longo alcance, como regimentos militares, depósitos de combustível e de armas, e até o quartel-general do Distrito Militar Sul da Rússia, em Rostov. De acordo com Barros, há pelo menos 200 potenciais alvos dentro do alcance dos ATACMS, muitos dos quais são difíceis de deslocar, como é o caso das infraestruturas logísticas.
Para além disso, os mísseis podem oferecer uma vantagem significativa nas operações terrestres e de drones da Ucrânia. Savill sublinha que os ATACMS podem enfraquecer os sistemas de defesa aérea russos, criando brechas que permitiriam aos drones ucranianos penetrar mais fundo no território russo. Isso poderia aumentar as hipóteses da Ucrânia recuperar território ocupado e melhorar a sua capacidade de resposta aos ataques russos.
O caminho para a paz: armas ou diplomacia?
Para Zelensky, a capacidade de atacar alvos dentro da Rússia é crucial para forçar Moscovo a considerar negociações de paz nos termos de Kiev. Na sua intervenção na Base Aérea de Ramstein, na Alemanha, no início de setembro, o presidente ucraniano apelou diretamente aos seus aliados, dizendo: “Precisamos de ter esta capacidade de longo alcance não só no território ocupado da Ucrânia, mas também em território russo, para que a Rússia se sinta motivada a procurar a paz”.
Com o inverno a aproximar-se, a Ucrânia enfrenta um terceiro ano consecutivo de escassez de eletricidade e infraestruturas danificadas. A par das dificuldades no campo de batalha, Zelensky tem o desafio de manter o apoio internacional enquanto procura equilibrar a defesa do seu país e a tentativa de levar a Rússia à mesa de negociações.
Embora a decisão final sobre o fornecimento de mísseis de longo alcance ainda não tenha sido tomada, o tema promete continuar a dominar as discussões entre a Ucrânia e os seus aliados da NATO, à medida que o conflito entra num novo e incerto capítulo.