XX Conferência da Executive Digest. A visão multi-stakeholder no centro da Governance
A 20.ª Conferência da Executive Digest, subordinada ao tema “Os Imperativos da Responsabilidade Social nas Empresas – Sociais, Ambientais, Corporate, Empresariais”, reuniu um vasto grupo de especialistas para debater e partilhar desafios e oportunidades que esta temática encerra.
Por António Sarmento
António Gomes Mota, professor Catedrático do ISCTE e Presidente do IPCG – Instituto Português de Corporate Governance, encerrou a XX Conferência Executive Digest com a apresentação “A visão multi-stakeholder no centro da Governance: realidades, tendências e desafios”. O professor referiu a alteração que se foi fazendo de forma muito acelerada nos últimos anos daquilo que é o propósito das organizações com fins educativos das empresas. Se antes a matriz era a criação de valor para os acionistas das empresas, hoje existe uma visão mais ampla de olhar para a organização como parte de um ecossistema, que interage com o mundo e que por isso deve responde aos interesses dos múltiplos stakeholders: acionistas, clientes, fornecedores, colaboradores e comunidade em geral. Nessa perspetiva, emergiu o conceito de ESG para medir o impacto das empresas através dos seus três eixos: ambiental, social e de governance.
O professor referiu ainda as iniciativas europeias que vão ter impacto nas empresas: a densificação da informação não financeira relacionada com estas dimensões; a extensão legal dos deveres e responsabilidade dos administradores, agora alargada aos interesses de múltiplos stakeholders; a obrigatoriedade de assegurar que a cadeia de fornecedores cumpre critérios ambientais e de respeito pelos direitos humanos.
Um caso paradigmático da pressão dos investidores internacionais é o líder da BlackRock, Larry Fink, que todos os anos escreve uma carta aos CEO. A carta de Fevereiro deste ano foi muito clara – olhem para ela como um desafio ou como um aviso, se quiserem – no fundo a instar as empresas a desenvolverem planos detalhados e quantificados relativamente à forma como pensam ir atingir a neutralidade carbónica até 2050. E no fundo, o resultado disto qual é? É que empresas que sejam menos preocupadas com essa dimensão ou a Blackrock não se tornará acionista dessas mesmas empresas ou deixará de o ser. «As métricas ESG vão condicionar a presença de investidores internacionais e mais à frente irão também condicionar os instrumentos de financiamento».
Um outro exemplo que procura mostrar o que pode ser uma resposta pró-activa das próprias empresas foi dado também acerca de um mês pela Shell, que de uma forma relativamente inovadora colocou à votação numa Assembleia Geral uma proposta sobre o seu plano para lidar com as mudanças climáticas. «Agora há mais um conjunto de empresas que no fundo indicaram a vontade de também no próximo ano tomarem uma iniciativa similar a esta que a Shell tomou». E do lado dos governos e das autoridades supranacionais também temos muitas iniciativas que estão em marcha e que todas elas vão ter um impacto significativo nas empresas: densificação da informação não financeira, extensão legal dos deveres e responsabilidades dos administradores aos interesses dos diferentes stakeholders, inclusão do corporate purpose nos estatutos da empresa, obrigatoriedade de evidência de due dilligence sobre a cadeia de abastecimento relativamente ao respeito pelos direitos humanos (horários de trabalho, trabalho infantil, etc) e ao impacto adverso no meio ambiente (emissões de co2, poluição, etc).
Estas diferentes dimensões também vão comportar mudanças e riscos: a alteração dos deveres e responsabilidades dos administradores e a expansão estatutária do Propósito empresarial para um âmbito multi-stakeholder vai obviamente colocar em causa o dever fiduciário dos administradores e o risco inerente ao desempenho destas funções. «É um aspecto que vai passar a ser provavelmente uma nova dimensão que se terá de olhar com uma particular atenção sobretudo por quem desempenha este tipo de funções».
Depois também há uma dimensão muito importante. Neste mundo multi-stakeholder quem define e concretiza o que são os melhores interesses dos stakeholders: via diversidade na composição do CA, via métricas impostas de fora para dentro, via representatividade institucional. «Entre a gestão executiva e o conselho de administração no seu conjunto há que ter uma estratégia e um conjunto de objectivos que atendam aos diferentes interesses dos vários stakeholders. Vamos ter aqui alguma complexidade adicional naquilo que será a formulação estratégica das organizações nesta nova dimensão».
A diversidade tem também de acomodar outros objectivos: conhecimentos, competências, experiências e vivências similares; Representações da sociedade, a representação dos interesses dos diferentes stakeholders. «Vai haver uma complexidade acrescida nos processos de seleção e nomeação». Sobre o Mecenato e o impacto na comunidade, o especialista sublinha que tudo irá passar a ser mais escrutinado e que as empresas têm de evoluir «e passar de um quadro no qual há uma vontade e uma disponibilidade muito positiva para apoiar para no fundo termos que mostrar, provocar evidência de um processo racional de análise, de escolha e de decisão consistente e coerente relativamente a este conjunto de apoios que fazemos à comunidade». Se a própria empresa não encontrar uma estratégia que seja objectiva, transparente e consistente será eventualmente criticada no futuro. «Ao nível das empresas vai obrigar a mudanças relevantes, a formas distintas de funcionar desde o conselho de administração até à gestão executiva», conclui António Gomes Mota, professor Catedrático do ISCTE e Presidente do IPCG – Instituto Português de Corporate Governance.