VULW: A sopa de letras da recuperação

Três mil CEO de todo o mundo acreditam que a recuperação será feita em forma de U. Mas pode adoptar outra letra ou até ter efeito Nike.

Se o coronavírus continua a sua marcha em todo o mundo, os governos adoptaram medidas como o distanciamento social, para interromper fisicamente o contágio. No entanto, isso acabou por cortar o fluxo de bens e pessoas, paralisou as economias e uma recessão global está à vista de todos. Aliás, o contágio económico está a espalhar-se tão rápido quanto a própria doença.

Os custos são muito altos e prever qual o melhor caminho a seguir tornou-se quase impossível – as várias dimensões da crise são uma espécie de território desconhecido, que não encontram comparação no passado. Assim, as questões urgentes incluem o caminho da recuperação e se as economias serão capazes de voltar aos níveis de produção e de taxas de crescimento pré-choque. A Grande Depressão de 1929 é o benchmark que muitos apontam – pela amplitude dos efeitos. Mas também há vozes, como as de Yuval Harari (professor e autor do best seller literário Sapiens), que nos recordam que o mundo dos próximos anos resultará de muitas das decisões tomadas nas próximas semanas.

Isto torna fundamental o debate de opções e a participação de todas as partes envolvidas, governos, partidos, empresários, trabalhadores, organizações da sociedade civil. «Existe uma relação complexa entre o caminho do vírus, a eficácia das políticas de contenção, suporte económico e o comportamento do sector privado», dizem os economistas do JPMorgan Chase, liderados por Bruce Kasman, num relatório. «Assim, há uma enorme incerteza sobre o caminho a seguir, fazendo lembrar o ditado “prever é difícil, especialmente o futuro”», acrescentam. Cerca de 60% dos presidentes-executivos estão a preparar-se para uma recuperação em U – um longo período entre recessão e recuperação – face a 22% que acreditam numa recessão dupla, de acordo com uma pesquisa realizada entre os dias 15 e 19 de Abril com 3534 executivos de 109 países pela YPO, uma comunidade de liderança global.

A pesquisa, noticiada pela Reuters, constatou que 11% dos presidentes- -executivos olham para o coronavírus como um risco para a sobrevivência da sua empresa, enquanto outros 40% dizem que a pandemia representa uma ameaça grave. «Não vemos uma crise como esta há mais de cem anos, e alguns nomes de referência não sobreviverão», disse Glenn Keys, presidente-executivo da Aspen Medical, empresa de serviços de saúde com sede em Sydney, e membro da YPO. Líderes empresariais de hotelaria e restauração eram os mais vulneráveis, com 41% dos executivos a afirmarem que as suas empresas corriam o risco de não sobreviver. Seguiam-se os sectores da aviação (30%) e o das vendas (19%). Em Portugal, o professor universitário Vítor Bento não duvida de que o País vai ter «uma recessão grande», a dúvida, sublinha, é saber «qual será a sua duração» e qual vai ser «a forma de recuperação», se vai ser em U, com um período maior de contração económica, ou em V, com uma recuperação rápida depois de a economia bater no fundo.

Em declarações à Lusa, o antigo conselheiro de Estado do Presidente da República Aníbal Cavaco Silva considera, no entanto, que a actual crise tem características que obrigam a ser muito cauteloso nas previsões. A variável tempo vai ser determinante para avaliar a dimensão e profundidade da recessão. Em declarações à Executive Digest, o professor catedrático do ISEG, João Duque acredita que a recuperação da economia portuguesa será feita em forma de «V assimétrico», ou seja, uma queda mais acelerada do que a recuperação. Por ora, teóricos da economia e analistas discutem que tipo de recessão é esta. E uma das formas que tem sido mais usada para ilustrar os diferentes cenários são as letras do alfabeto. Conheça as opções:

RECUPERAÇÃO EM V

O vírus desapareceria na Europa e nas Américas até final de Maio, permitindo que as regras de distanciamento social fossem flexibilizadas. Neste cenário, a procura é impulsionada pelo estímulo orçamental e monetário já implementado. As fábricas e os serviços também são capazes de retomar a actividade sem grande esforço. E a taxa de desemprego diminui. «Caso a crise sanitária seja curta e a recuperação económica forte já na segunda metade deste ano, a comummente designada “recuperação em V” que foi assumida no cenário optimista, seria possível anular as perdas de 2020 já em 2021, com um ganho próximo dos 2% face a 2019», explicam os economistas da Católica na última actualização das projecções para Portugal, assumindo que nesse cenário «a taxa de desemprego poderia baixar novamente dos 7% já no próximo ano, retomando os níveis de 2019».

Para João Duque, esta seria a recuperação mais desejada, em que após uma queda rápida da actividade económica, acontece uma recuperação na mesma intensidade. A nível internacional, o presidente dos EUA, Donald Trump disse que Tim Cook esperava que a economia norte-americana tivesse um aumento acentuado após uma pandemia. Ou seja, espera uma recuperação em V.

RECUPERAÇÃO EM U

A pandemia persiste até Junho e as regras de distanciamento social levam tempo para serem flexibilizadas. Os consumidores ainda sentem desconfiança: demoram tempo para voltar a lojas e restaurantes. As fábricas e outras empresas demoram para retomar a capacidade total. Uma evolução parecida a esta vai ao encontro do cenário central dos economistas da Católica que antecipam que o PIB português continue em 2021 4% abaixo do nível de 2019, sem recuperar das perdas de 2020. «Seria necessário esperar por 2022 para se regressar ao nível de produto do ano passado», prevê o Núcleo de Estudos da Universidade Católica (NECEP), assinalando que «a taxa de desemprego manter-se-ia relativamente elevada (9.0%) em 2021, podendo regressar a valores próximos dos 7% num cenário de recuperação forte em 2022.»

Para o economista João Duque este cenário significaria que só em finais de 2021 poderíamos falar em recuperação.

RECUPERAÇÃO EM L

O vírus ainda circula no segundo semestre de 2020, o que obriga a manter as regras de distanciamento social além de Junho. As dívidas tornam-se difíceis de pagar, e os níveis de incumprimento poderiam levar a uma crise de crédito. Os mercados financeiros não conseguem recuperar das fortes perdas. «Como sugere o cenário pessimista, a variação acumulada do PIB face a 2019 pode vir a degradar-se ligeiramente em 2021, com uma perda de output acima dos 20% acompanhada de uma taxa de desemprego próxima dos 16%», em Portugal, antecipa o NECEP num cenário pessimista que pode aproximar-se a esta recuperação em L.

Neste cenário pessimista, mesmo em 2022, o PIB continua 15% abaixo do nível em que terminou 2019.

RECUPERAÇÃO EM W

O vírus regressa. Este cenário é equacionado pelo economista-chefe da Schroders, que cita uma análise da Imperial College London sobre essa possibilidade. «O risco principal para a nossa previsão central em V é o regresso potencial do vírus no terceiro trimestre deste ano, resultando numa repetição da travagem no quarto trimestre», antecipava Keith Wade, referindo que o resultado disso seria uma evolução da economia em W. Nas perspectivas revistas para a economia mundial, o Fundo Monetário Internacional assinala que o impacto será «muito maior do que durante a crise financeira de 2008/2009», em linha aliás com os alertas já feitos pela directora-geral, Kristalina Georgieva.

E apesar da recuperação prevista para o próximo ano, em 2021, a riqueza das economias mundiais será no final desse inferior à que existia antes da pandemia. Apesar do outlook se centrar nas principais economias mundiais, o FMI antecipa para Portugal uma queda do Produto Interno Bruto de 8% este ano, uma estimativa que é muito mais negativa do que as projecções feitas pelo Banco de Portugal no final de Março, mesmo num cenário mais adverso. O desemprego deverá disparar para 13,9% até ao final de 2020, mais do dobro da taxa registada em Fevereiro.

Os técnicos do Fundo apontam para uma retoma de 5% na economia portuguesa para 2021 e para uma queda da taxa de desemprego para os 8,7%. De acordo com o World Economic Outlook, a recessão será a realidade para a generalidade das economias e blocos económicos, com algumas excepções na Ásia, onde a China deverá crescer apenas 1,2%. Mas é na Europa que se vão sentir alguns das maiores quedas estimadas para o Produto Interno Bruto nacional. A Itália, primeiro país europeu a ser confrontado com a pandemia, deverá contrair 9,1% este ano. Para Espanha, o FMI antecipa uma recessão de 8%. As economias francesa e alemã deverão perder na casa dos 7%.

«Esta crise não é igual a nenhuma outra. Primeiro porque o choque é muito grande e geral. A perda de produção associada à emergência na saúde e às medidas de contenção irão provavelmente eclipsar as perdas geradas pela crise financeira global. Em segundo, tal como numa guerra ou crise política, existe uma acentuada e contínua incerteza sobre a duração e a intensidade do choque. Em terceiro, as actuais circunstâncias exigem um papel muito diferente das políticas económicas.

Em crises normais, os políticos tentam encorajar a actividade económica, estimulando a procura agregada o mais depressa possível. Desta vez, a crise é em grande parte provocada pelas consequências das necessárias medidas de contenção. Isto faz com que estimular a economia seja muito mais desafiante.»

Notícia publicada na edição impressa da Executive Digest de Junho.

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