Várias regiões do Algarve com risco acrescido de inundações devido a ‘invasão’ de canas em ribeiras

As ribeiras algarvias estão sob risco crescente de inundações devido à proliferação de espécies invasoras, como o canavial (Arundo donax), que ocupa cerca de 225 quilómetros das linhas de água da região, de acordo com a Agência Portuguesa do Ambiente (APA). Esta vegetação obstrui os cursos de água, que, abandonados e sem manutenção, tornam-se vulneráveis às chuvas torrenciais características do inverno, aumentando a probabilidade de cheias em áreas urbanas como Faro, Quarteira e Albufeira. As autoridades e proprietários de terrenos pouco têm feito para mitigar o problema, mesmo após enxurradas passadas, que, embora alarmantes, não motivaram mudanças estruturais significativas.

A ribeira de Quarteira é um dos casos mais preocupantes, como relata o Público. À saída do concelho de Loulé, próximo à ponte do Barão, o canavial denso forma um túnel vegetal, crescendo a mais de cinco metros de altura e bloqueando o fluxo natural da água. Em caso de chuva intensa, o risco de inundação é iminente, com potenciais danos a campos de golfe, aldeamentos turísticos e terras agrícolas, que poderiam ser devastados pelas cheias.

De acordo com as explicações da APA ao mesmo jornal, intervenções para a reabilitação das ribeiras de Alcantarilha, Odeleite e Beliche estão em fase de planeamento, abrangendo 14 quilómetros de cursos de água, com um investimento entre 4 e 7 milhões de euros, inserido no Programa Regional do Algarve 2030. No entanto, projetos de curto prazo para a remoção da vegetação invasora nas ribeiras restantes ainda não foram anunciados, o que aumenta o receio de que inundações ocorram antes de quaisquer medidas significativas serem implementadas.

Conflito entre gestão ambiental e preservação judicial
Os esforços para conter o avanço do canavial foram comprometidos por disputas legais, como a que envolveu a ribeira de Aljezur. A Câmara de Aljezur, em conjunto com a APA, lançou o Projeto de Valorização e Requalificação da Ribeira de Aljezur, mas a aplicação do herbicida glifosato para eliminar o canavial foi bloqueada por uma providência cautelar imposta pela Associação de Defesa do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (Arriba), que alegou preocupações ambientais devido ao potencial carcinogénico do composto químico. Em julho de 2022, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé determinou a interrupção dos trabalhos até que uma avaliação completa fosse realizada pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), especialmente no que diz respeito ao impacto ambiental.

“O resultado está à vista: renasceu uma floresta de canas”, lamenta António Carvalho, vereador do Ambiente em Aljezur, destacando que o projeto incluía três aplicações de herbicida, mas que só uma foi realizada. Sem intervenção eficaz, as espécies autóctones plantadas para restaurar a vegetação ripícola, como salgueiros e amieiros, foram sufocadas pelo crescimento do canavial.

Divisões sobre o uso de herbicidas
O uso de glifosato é controverso, com várias opiniões divergentes. Afonso do Ó, da Associação Natureza/WWF Portugal, reconhece que a cana é uma espécie altamente competitiva na luta por recursos hídricos, mas defende que o glifosato não deveria ser utilizado, preferindo opções menos agressivas para o ambiente. “As invasoras já fazem parte do nosso ecossistema,” refere, acrescentando que a substituição do canavial deve ocorrer de modo a garantir que as plantas nativas possam prosperar. Ele sugere alternativas ao glifosato, que considera serem mais rapidamente absorvidas pela natureza e menos danosas.

Contudo, o vereador de Aljezur argumenta que a suspensão do uso do herbicida levou ao fracasso da reabilitação planejada: “Interrompemos o uso do glifosato e os freixieiros, salgueiros e amieiros plantados para reabilitar a galeria ripícola não sobreviveram. A cana abafou tudo em seu redor”.

Para além da vegetação invasora, o descarte de resíduos nas linhas de água agrava o estado de degradação das ribeiras. Amélia Santos, professora da Universidade do Algarve e coordenadora de um projeto de requalificação da ribeira do Rio Seco em 2012, aponta o problema da acumulação de lixo, que inclui garrafas de plástico e vidro. Ela lembra que a intervenção realizada há mais de uma década foi eficaz temporariamente, mas que, sem manutenção contínua, as ribeiras acabaram por retornar a um estado crítico.

No concelho de Olhão, a APA informa que foram realizadas intervenções em 3,5 quilómetros de linhas de água, como as ribeiras do Tronco, Marim e Bela Mandil. Contudo, os recursos para a manutenção são frequentemente insuficientes para abranger a extensão necessária de todos os cursos de água.

Comunidades em alerta perante risco de cheias
No interior do Algarve, o cenário é igualmente preocupante. António Martins, presidente da Junta de Freguesia de Alte, em Loulé, lembra que, em 2019, uma cheia isolou a comunidade de Águas Frias, onde apenas uma casa foi atingida devido à construção estratégica dos edifícios nos pontos mais altos, mas adverte que o risco permanece. Para piorar, muitos cursos de água foram ocupados por construções, o que compromete a capacidade da rede hidrográfica de absorver o volume de água em eventos de chuvas intensas.

Devido à precariedade na manutenção das ribeiras, muitas vezes as verbas para projetos de limpeza não chegam a todas as localidades. António Martins alerta que a limpeza de ribeiras exige um esforço contínuo: “Limpa-se 20 quilos de canavial, deixa-se uma raiz de 20 centímetros, no ano seguinte temos 40 quilos”. Ele também lamenta que o entulho deixado em ribeiras acabe por descer até Vilamoura durante as cheias, onde a marina precisou instalar uma rede para evitar que o lixo flutue ao lado dos iates.

A falta de soluções sustentáveis e eficazes para gerir as ribeiras algarvias eleva o risco de desastres e expõe as fragilidades de uma região que, embora orientada para o turismo, parece vulnerável a fenómenos naturais que podem comprometer a sua sustentabilidade.

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