“Vai-te f****, navio de guerra”: frase memorável da guerra na Ucrânia abre conflito entre Kiev e Bruxelas

Foi uma das frases mais marcantes do conflito na Ucrânia: o slogan de Kiev “Navio de guerra russo, vá-se f****” está no centro de uma feroz batalha entre a Guarda Estatal de Fronteiras da Ucrânia e o Escritório de Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO).

A expressão de desafio foi dita pela primeira vez numa resposta corajosa de um soldado ucraniano a um navio de guerra russo que exigiu a rendição enquanto se preparava para atacar a Ilha das Cobras, no Mar Negro, nas primeiras horas da invasão do Kremlin.

Durante os dois anos do conflito, a frase tornou-se um símbolo da resistência de Kiev contra Moscovo – no entanto, para os responsáveis pela aplicação da propriedade intelectual da UE, não cumpre os requisitos para se tornar uma marca registada, o que deixou os guardas de fronteira ucranianos perplexos.

“Acreditamos que a autoria dessa marca deveria pertencer ao estado da Ucrânia… como confirmação da determinação e invencibilidade dos guardas de fronteira ucranianos”, salientou Andriy Demchenko, porta-voz da Guarda Estatal de Fronteiras da Ucrânia, em declarações ao jornal ‘POLITICO’. “É necessário dar crédito ao defensor que, com o seu ato, a sua demonstração resoluta de firmeza, inspirou o povo, a Ucrânia e a comunidade global.”

Os advogados Andrej Bukovnik e Taras Kulbaba apresentaram pela primeira vez o pedido de registo marca em 16 de março de 2022, sob o nome do soldado – com a permissão de sua família – que a pronunciou pela primeira vez. De acordo com os causídicos, esta era uma “oportunidade única de fazer algo maior” e uma maneira de se antecipar ao que dizem por experiência própria que inevitavelmente aconteceria: outra pessoa iria surgir e reivindicar a marca.

É também uma forma de garantir que ninguém mais lucre com a frase – atualmente, uma grande variedade de produtos comerciais com variações da frase “Navio de guerra russo: vá-se f****” estão a ser sendo vendidos em diversas plataformas de compras. No entanto, nem a Ucrânia nem o soldado, que foi capturado pela Rússia e posteriormente libertado numa troca de prisioneiros, podem fazer qualquer coisa para impedir que outros ganhem dinheiro com a sua frase, destacaram os advogados.

De acordo com Demchenko, há vendedores ambulantes com “intenções insinceras” que capitalizam a popularidade da frase. “É muito importante para os consumidores europeus porque neste momento estão a ser enganados”, revelou Bukovnik. “Existem atores muito maus no mercado e a Ucrânia não pode fazer nada a respeito.”

No entanto, a UE despejou um balde de água fria – numa carta enviada em julho de 2022, o EUIPO afirmou que o slogan seria percebido como “contrário aos princípios de moralidade aceites, uma vez que procura […] ganhos financeiros com o que é universalmente aceite como um acontecimento trágico” – a guerra total da Rússia na Ucrânia.

“A primeira recusa foi realmente um insulto”, destacou Bukovnik. “Foi realmente doloroso, porque disseram que o soldado estaria a lucrar com a guerra com a sua própria declaração a um navio de guerra russo durante a guerra.”

Para contornar as acusações de lucro de guerra e devido a preocupações de segurança relacionadas com a exposição do nome do soldado, Bukovnik e Kulbaba transferiram o pedido para a Guarda de Fronteira da Ucrânia.

No entanto, o gabinete rejeitou novamente o pedido em dezembro de 2022, e foi mais longe, objetando que utiliza “linguagem vulgar com uma conotação sexual insultuosa”.

“Mesmo que fosse considerada uma mensagem de bravura e coragem, banaliza a invasão russa e usa a frase apenas como uma ferramenta para vender bens de merchandising, como joias, brinquedos, roupas, carteiras, etc”, concluiu o examinador.

“É uma liberdade de expressão”, apontou Bukovnik. “Se tem palavra ‘f***’ nisso, foi feito num momento muito especial. Não se pode censurar pessoas em situações como essa.”

Bukovnik e Kulbaba interpuseram recurso em fevereiro de 2023, mas o EUIPO negou-lhe provimento em dezembro do ano passado.

Recorde-se que as forças russas ocuparam a Ilha das Cobras no primeiro dia da invasão, destruindo a sua infraestrutura e capturando soldados ucranianos. Quando um navio de guerra russo se aproximou, ele comunicou por rádio aos soldados da ilha para se renderem – foi quando um membro da guarda de fronteira respondeu pelo rádio, dizendo-lhes a célebre frase. A Rússia viria a retirar-se da ilha em junho de 2022.

De acordo com Eleonora Rosati, professora de direito de propriedade intelectual na Universidade de Estocolmo, casos como este raramente têm finais felizes. “Não acredito que esta aplicação algum dia tenha sucesso”, explicou. “É uma causa perdida desde o início”, lembrando que houve vários exemplos de pedidos de marca fracassados – de “Je Suis Charlie” a “Black Lives Matter” – que enfrentaram obstáculos semelhantes.
Para a especialista, frases deste tipo que expressam uma opinião política provavelmente são rejeitadas porque a UE acredita que há um problema de distintividade, “que é o principal requisito para a proteção da marca”, frisou.

Embora os advogados tenham ficado desapontados com as contínuas recusas, Bukovnik e Kulbaba disseram que não têm intenção de desistir da causa e apresentaram outro recurso em fevereiro.

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