União Europeia vira-se para a Síria para facilitar deportações de migrantes ‘à italiana’

A União Europeia (UE) enfrenta um dilema enquanto países como Itália pressionam para normalizar as relações com a Síria, numa tentativa de facilitar as deportações de migrantes. Este tema delicado e controverso surge no momento em que líderes europeus procuram responder ao crescente apoio a partidos de extrema-direita, que têm ganho popularidade com políticas anti-imigração em várias partes do continente, e numa altura que o Governo de Girorgia Meloni já conclui o envio do primeiro grupo de migrantes para a Albânia, ao abrigo de um polémico acordo.

A primeira-ministra italiana tem sido uma das principais vozes a favor de uma mudança na política europeia em relação à Síria. “É necessário rever a estratégia da União Europeia para a Síria e trabalhar com todos os atores, de modo a criar as condições para que os refugiados sírios possam regressar voluntariamente, de forma segura e sustentável ao seu país de origem”, afirmou Meloni esta semana no Senado italiano, antes da reunião dos líderes da UE em Bruxelas.

Meloni deverá levantar a questão do relacionamento com Damasco no encontro entre os 27 líderes da UE, numa tentativa de influenciar a discussão e impulsionar um debate sobre a Síria. Segundo fontes diplomáticas europeias, essa proposta de Meloni é apoiada por vários outros países europeus, alguns dos quais têm governos de extrema-direita ou de direita radical, como Áustria e Hungria.

A complexa relação com a Síria

A relação da Europa com a Síria tem sido marcada por profundas tensões desde o início da guerra civil em 2011, quando o regime do presidente sírio, Bashar al-Assad, foi acusado de uma violenta repressão de protestos populares, que culminou em acusações do uso de armas químicas contra a sua própria população. A UE cortou laços diplomáticos com Damasco nesse ano, isolando quase totalmente o regime, que sobreviveu graças ao apoio militar da Rússia, sob a liderança de Vladimir Putin.

Com o conflito a arrastar-se sem solução à vista e Assad ainda no poder, alguns países europeus têm agora interesse em discutir a possibilidade de restaurar certas ligações com a Síria, principalmente para facilitar o regresso de migrantes sírios. Estima-se que mais de um milhão de sírios tenham chegado à Europa nos últimos dez anos, de acordo com dados da Agência das Nações Unidas para os Refugiados (UNHCR) de 2021. Recentemente, o agravamento da situação no Médio Oriente, incluindo o conflito em Líbano, levou quase 200.000 sírios e libaneses a fugirem para a Síria, o que adicionou nova urgência ao debate europeu sobre o regresso dos refugiados.

A pressão para restabelecer relações com a Síria surge numa altura em que o apoio a partidos anti-imigração está em ascensão em várias partes da Europa, especialmente após as eleições europeias de junho. Partidos como a União National em França e a Alternativa para a Alemanha (AfD) têm defendido políticas mais duras contra a imigração e medidas mais rápidas para a deportação de migrantes.

Em paralelo, a Polónia, sob o governo do primeiro-ministro Mateusz Morawiecki, foi recentemente criticada pela Comissão Europeia depois de anunciar que suspenderia o direito de asilo para migrantes que chegam ao país através da Bielorrússia. Na Alemanha, o chanceler Olaf Scholz tomou medidas drásticas ao fechar as fronteiras com os países vizinhos da UE após um ataque com faca envolvendo um migrante. Em França, o primeiro-ministro Michel Barnier também propôs uma revisão das regras de deportação da UE para acelerar as expulsões de migrantes.

O ministro austríaco dos Assuntos Europeus e Internacionais, Alexander Schallenberg, argumenta que “Assad está lá, não se trata de branquear o regime, mas a Europa acolheu mais de 1,2 milhões de cidadãos sírios. A nossa proposta é uma avaliação de mente aberta: onde estamos, para onde devemos ir, porque simplesmente não estamos a alcançar os resultados que gostaríamos.”

O governo de Bashar al-Assad, por sua vez, tem-se esforçado para melhorar a sua imagem internacional e restabelecer ligações com a comunidade global. Num sinal de reaproximação, Assad participou em 2023 numa cimeira de líderes árabes na Arábia Saudita, onde foi recebido de forma calorosa pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, após anos de afastamento.

Desde 2016, Assad tem apelado ao regresso dos sírios que fugiram durante o conflito, garantindo que o país é agora seguro. Mais recentemente, o regime tem financiado campanhas internacionais para atrair turistas e melhorar a sua imagem no Ocidente, numa tentativa de revitalizar a economia síria, devastada por mais de uma década de guerra.

Apesar dos esforços de países como Itália e Áustria, a normalização das relações com a Síria enfrenta resistência dentro da própria UE. A Holanda, por exemplo, opõe-se firmemente à ideia de retomar negociações com Damasco, afirmando que a Síria ainda não é considerada um país seguro. O ministro holandês dos Negócios Estrangeiros, Caspar Veldkamp, sublinhou que “a política holandesa é que a Síria não é segura para o regresso de requerentes de asilo. Se isso acontecer no futuro, dependerá de um mecanismo despolitizado para determinar até que ponto a Síria é suficientemente segura.”

A resposta de Josep Borrell, o chefe da diplomacia da UE, também foi cautelosa. Num documento datado de 28 de agosto, Borrell lembrou que “como o regime sírio tem operado há décadas é bem conhecido e documentado, incluindo com o apoio direto tanto da Rússia como do Irão.” Ainda assim, assegurou que a UE está disposta a explorar formas de apoiar melhor o povo sírio e as suas “legítimas aspirações”.

No entanto, alguns diplomatas europeus consideram que é tempo de pelo menos começar uma discussão sobre a relação com a Síria. “Pode ser cedo para dizer se vamos conseguir algo, mas temos de começar a falar”, afirmou um alto diplomata da UE.

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