Uma ponte mudou o rosto da Europa: maravilha do mundo moderno demorou duas décadas a planear e oito anos a construir

É, provavelmente, uma das pontes mais bonitas da Europa, que se eleva numa paisagem cénica: o Viaduto de Millau é o exemplo perfeito de como a engenharia se encontrou com a arte para formar uma estrutura com 2.46t0 metros de comprimento – é a mais alta do mundo, com 336,4 metros de altura sobre o desfiladeiro de Tarn, no sul de França.

Os sete pilares variam entre 78 e 245 metros de altura, cada um calculado para deixar aos condutores uma sensação suave conforme atravessam o Tarn. Há um vão de 342 metros entre cada par – suficientemente grande para integrar uma Torre Eiffel. Os pilares são acoplados a sete pilares de aço, cada um com 87 metros de altura, com 11 estais de cabos que se estendem de cada lado: o tabuleiro, com cerca de 36 mil toneladas, é estável.

É uma “maravilha do mundo moderno” e uma “maravilha da engenharia”, exaltou David Knight, diretor de design e engenharia da Cake Industries e consultor especializado da Institution of Civil Engineers, citado pela ‘CNN’. “É a combinação perfeita de arquitetura e engenharia que faz com que todos os que a veem a considerem espetacular.”

Esta maravilha do mundo moderno foi construída no meio de França e demorou duas décadas de planeamento, antes de se abrir ao trânsito em dezembro de 2004. Mas como é que mudou o mapa da Europa?

A geografia compreende grande parte da resposta: o Maciço Central é uma vasta área de terras altas cortadas por vales e desfiladeiros profundos, situada sensivelmente a meio da metade inferior de França. Estendendo-se por cerca de 15% do país e fazendo fronteira com os Alpes a leste, é um dos obstáculos que qualquer pessoa que viaje de norte a sul do país – ou do norte da Europa para Espanha – tem de ultrapassar.

Michel Virlogeux, o engenheiro que liderou a equipa de projeto, começou a trabalhar no projeto em setembro de 1987. “O primeiro problema não era a ponte a construir, mas sim o local por onde passaria a autoestrada”, recordou, lembrando que na altura o Maciço Central era remoto, apesar da sua localização central. As estradas “não eram boas”, lembrou, salientando que “a parte central de França não se podia desenvolver por falta de transportes”.

Na década de 1980, o Governo francês quis melhorar a rede rodoviária, com o presidente Valery Giscard d’Estaing optado por uma autoestrada, também para desobstruir a famosa estrada entupida à volta de Millau, que diariamente sofria engarrafamentos de 20 quilómetros de cada lado da cidade. “Passar por Millau costumava ser um ponto negro do trânsito para os turistas”, diz Emmanuelle Gazel, atual presidente da Câmara de Millau. “Havia muitos engarrafamentos. Havia quilómetros e quilómetros de filas de trânsito. Dava uma imagem muito má da nossa região… em termos de poluição, era terrível. E os habitantes demoravam muito tempo a chegar de um ponto a outro.”

Lord Norman Foster, arquiteto da ponte, a zona era “um vale de extrema beleza que se tinha tornado num dos piores engarrafamentos de França”. A decisão de construir a ponte foi tomada em setembro de 1986. “Começámos a procurar onde era possível, mas muitas opções eram más e demorámos quase três anos a encontrar uma solução”, recordou Virlogeux.

Para tal, foram chamados especialistas: geólogos, geotecnólogos, engenheiros rodoviários e Virlogeux, que já tinha projetado a Pont de Normandie – a ponte de 2.143 metros que atravessa o rio Sena na região norte da Normandia. A ideia de um ponte chegou de Jacques Soubeyran, engenheiro de estradas da equipa. “Porque é que estão a entrar no vale?’ e foi um grande choque”, recordou Virlogeux. “A autoestrada estava a passar 300 metros acima do rio. Eu nem sequer tinha considerado a possibilidade de passar a um nível elevado. Disse imediatamente que estávamos a ser estúpidos. Começámos a trabalhar na ideia de passar de planalto em planalto.”

A escolha recaiu numa ponte estaiada. “O cabo é a estrutura mais eficiente para transportar uma carga e é possível ter um tabuleiro muito esguio, o que torna o aspeto muito melhor”, afirmou, salientando que a beleza da estrutura foi um aspeto levado em conta: a ponte tinha “de parecer muito tranquila”.

O Governo francês lançou um concurso para a conceção da ponte e, em 1996, a encomenda foi ganha por um grupo liderado por Virlogeux como engenheiro e pelo britânico Norman Foster como arquiteto. Foster considera o seu plano de atravessar o vale, e não o rio, um “conceito filosófico” que os distinguiu dos outros concorrentes. A comunidade local revoltou-se com a possibilidade de a área de beleza natural ser estragada, pelo que Foster enfrentou um “desafio de design… criar algo que realce a paisagem, assente suavemente no fundo do vale – para ser a intervenção mais delicada e leve”.

Se o projeto foi exigente, a construção não foi mais fácil: iniciou-se em outubro de 2001. O projeto custou 400 milhões de euros e foi financiado pela Eiffage, uma empresa de construção privada que ainda hoje tem a concessão da ponte. Foram utilizadas 290 mil toneladas de aço e betão para a sua construção e cerca de 600 construtores trabalharam nela.

Foster lembrou que, da primeira vez que foi ver a obra, “estava ansioso ao ponto de quase ficar fisicamente doente”. A cor dos 154 cabos tinha-o “agonizado”: optou pelo branco, “mas a agonia era que eu não saberia se era a decisão certa até que estivesse construído – e então seria tarde demais para mudar”. “Estava quase doente de apreensão, mas lembro-me de chegar de carro e a ponte ir aparecendo aos poucos e finalmente perceber que, afinal, era a decisão certa.”

O presidente Jacques Chirac veio inaugurar a ponte e apertar a mão aos trabalhadores da construção. Dois dias depois, Virlogeux atravessou-a de carro no seu regresso a Paris.

Ler Mais





Comentários
Loading...