“Uma mulher amamenta o filho de outra que está morta. Isto é Gaza”. Nos hospitais palestinianos, faltam equipamentos, remédios, médicos, camas e milagres

A situação nos hospitais em gaza já não era fácil, e agora ainda se veem várias unidades como alvo dos ataques de Israel. No Hospital Al Shifa, um dos mais importantes de Gaza, não há tempo a perder. Mesmo após o exterior e arredores terem sido bombardeados, os profissionais de saúde continuam a trabalhar incessantemente, pelo menos até terem capacidade, equipamentos e espaço para poder ajudar.

Vários responsáveis hospitalares, profissionais de saúde e voluntários contam ao El Confidencial como é o dia-a-dia neste hospital. Raed Al-Arini é cirurgião cardiotorácico e teve de se habituar a trabalhar com menos pessoal, menos meios, menos material disponível, todos os dias. Atualmente chegou-se ao ponto em que as anestesias já não chegam para todos os que têm de ser operados.

Mas também falta eletricidade, ou água. Quem chega a esta unidade grande parte das vezes necessita de intervenção de vários especialistas: ortopedista, nerologista, cirurgião. Como não há para todos, os profissionais fazem sozinhos cirurgias que, até agora, só tinham realizado com uma equipa e até há clínicos a tratarem pacientes que apresentam quadros de outras especialidades, e para as quais não têm conhecimentos e formação suficientes.

“Não tenho mais material nenhum. Continuo a trabalhar porque é o meu dever. Mas precisamos mesmo de ajuda”, diz o médico, avisando que “Gaza está a sangrar e não há nada que estanque”.

O cenário parece tirado de um filme pós-apocalíptico: cirurgias feitas à luz de lanternas ou de telemóveis, operações delicadas e difíceis sem qualquer anestesia, feridas lavadas com água e sabão, porque não há desinfetantes, ou em muitos casos com recurso a vinagre.

Muitas vezes os cirurgiões veem-se obrigados a tomar decisões difíceis que nunca tomariam. Todos os condicionamentos verificados significam que deixar morrer um doente é muitas vezes a única opção, mesmo tratando-se de alguém que, há umas semanas sairia certamente dali de boa saúde.

Os médicos admitem que ajudam quem ali chegue, seja ou não do Hamas “Sou cirurgião e salvo vidas. Não sei quem são os pacientes que me procuram, se são do Hamas ou não. Eu também salvaria os israelitas que destruíram o meu bairro, porque é o meu dever como médico”, indica.

O trauma vivido é comum a todos, e não existe desde o início de outubro: tem décadas e décadas de cicatrizes na sociedade palestiniana. “Em Gaza protegemo-nos uns aos outros, fazemos parte de uma perda generalizada: todos fomos mortos por filhos, pais, amigos, maridos ou irmãos, e isso faz de nós membros da mesma família”, indica o Dr. Salah, que recorda um episódio chocante.

“Ontem vi uma mulher que embalava o filho morto nos braços. Ao lado, tinham deixado um bebé que tinha acabado de ser resgatado de escombros, e que tinha perdido toda a família. A mulher deixou o corpo do seu próprio filho, para recolher aquele bebé, que não conhecia e que chorava, para amamentá-lo. E isto é gaze. esse é o espirito da Palestina Esta mãe somos todos nós”, termina o médico.

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