
«Uma crise traz sempre oportunidades»
Em cenário de pandemia, como se comportam os seguros de crédito e caução face à incerteza? José Rodrigues, director financeiro e responsável pela unidade de seguros de crédito, falou à Risco de crise e de oportunidades.
O que mudou nos critérios de avaliação de risco, com o Mundo a atravessar um período de pandemia?
A Covid-19 é um game- -changer a todos os níveis e também no que diz respeito à avaliação de risco. Apesar das seguradoras de crédito terem já modelos preditivos bastante avançados, que permitem antecipar variadíssimos cenários, um evento com esta escala era impensável há alguns meses e, como tal, os critérios de avaliação foram recentemente ajustados e afinados para se adaptarem à mudança acelerada que estamos a viver.
A análise de risco em traços gerais é tipicamente top-down: Análise Risco País, Análise Sector, Análise Balanço e Demonstrações Financeiras, Comparação de Rácios e, no final, um Rating.
Estamos a assistir a performances distintas entre empresas do mesmo subsector. Apesar dos modelos actuais incluírem vigilância activa de risco, como monitorização diária de incidentes, atrasos de pagamento e prorrogações do prazo de pagamento das facturas, esta crise evidenciou a necessidade da análise de risco incorporar outras variáveis que impactam na rendibilidade e na liquidez das empresas, nomeadamente o risco operacional, nas suas várias vertentes: pessoas, tecnologia, processos e cadeias de abastecimento.
Como evolui o risco de incumprimento?
Temos assistido a um incremento dos atrasos de pagamento e prorrogações de prazo, principalmente nos sectores mais afectados pela pandemia, como o retalho não alimentar, alojamento e restauração.
Também a indústria têxtil portuguesa, além de ter sido fortemente afectada por uma redução sem precedentes das encomendas, tem enfrentado, neste período de pandemia, alguns incobráveis por via da insolvência de vários clientes de mercado externo. Infelizmente é um indicador que se está a agravar de mês para mês.
Se a crise se prolongar por mais tempo do que o esperado, o que vai acontecer ao crédito e que consequências poderão daí advir?
Uma segunda vaga é algo que não podemos descurar pelas implicações negativas que poderá ter, nomeadamente, pelo risco de voltarmos a “fechar” a economia.
Os impactos estarão muito condicionados pela duração e intensidade da pandemia nestes últimos meses do ano, que se reflectirão nos fluxos de caixa das empresas, nas cadeias de fornecimento e, genericamente, na actividade comercial.
Tal como em qualquer crise, vamos ter empresas que vão fechar, outras que se vão reinventar e outras que surgirão com novos conceitos. O seguro de crédito continuará a operar normalmente, certamente com uma acentuada redução na exposição de risco.
Se a crise se agravar, o impacto vai também depender de até onde os governos podem ir para apoiar a economia em medidas extraordinárias de acesso a liquidez.
O Estado português terá um papel determinante na compensação deste efeito e terá de ir muito mais além do que o que foi. Do nosso ponto de vista, a intervenção do Governo no apoio às empresas, por via das coberturas de seguro de crédito, foi escassa e a tender para a irrelevância.
Foi criada uma linha para apoiar as empresas com apólice de seguro em vigor que exportem para países da OCDE, permitindo-lhes duplicar os plafonds, que, em alguns casos, são tão diminutos que o efeito da duplicação continua a ser pouco atractivo.
O caricato é que mais de 80% das apólices de crédito existentes em Portugal são para cobrir vendas internas. O Estado, ao deixar de fora a cobertura entre empresas nacionais (80% dos casos), levou a que fosse criado um constrangimento brutal nas cadeias de abastecimento e, por esta via, acaba por também por afectar a capacidade das exportadoras, que precisam de adquirir matérias-primas em quantidades relevantes para que possam satisfazer as suas encomendas.
Em caso de agravamento da crise, o Estado português deverá funcionar como um ressegurador das seguradoras de crédito a actuar no mercado nacional, por forma a minorar os impactos.
A pandemia está a fazer acelerar a procura por seguros de crédito?
Não sendo o seguro de crédito uma cobertura de risco de subscrição obrigatória, é natural que a procura sofra oscilações de acordo com a percepção que o empresário tem do risco da sua carteira de clientes.
Por esse motivo, é perfeitamente natural um incremento da procura nestes tempos de pandemia, quer pela necessidade das empresas, que até então não tinham seguro, de terem vigilância activa do risco dos seus clientes, bem como pela necessidade de procurarem novos clientes noutras geografias. O seguro de crédito assegura também essa função de prospecção de clientes de bom rating.
As empresas que precisam de prestar garantias e têm tido muito menos apoio dos bancos, pelo que temos sentido também um aumento na procura de seguros caução.
De qualquer modo, na Universalis, face ao modelo distintivo com que operamos neste segmento de negócio, temos tido sempre um elevado nível de procura, em muito promovida pela recomendação dos nossos clientes, que são os nossos principais embaixadores.
O nosso modelo de negócio é altamente personalizado, ou seja, identificamos os riscos, traçamos o clausulado que melhor serve o cliente e o seu modelo de negócio, e só depois procuramos a seguradora adequada para endereçar o risco no formato que o desenhamos.
Não está no nosso ADN outra forma de actuar.
De que forma evoluíram os sinistros de crédito desde Março?
A sinistralidade no seguro de crédito, ao contrário do que se possa pensar, já vinha a crescer mesmo antes da pandemia, estando neste momento a agravar-se ,principalmente com incumprimentos de clientes de mercado externo.
Face aos prazos dados pelas seguradoras para comunicação de sinistros, uma elevada percentagem deste incremento de sinistralidade ainda advém de facturas emitidas antes de Março.
De acordo com os dados que dispomos, infelizmente, isto é ainda a ponta do icebergue. Estima-se um incremento mundial das insolvências em 25% e, no caso português, face à composição da economia, os estudos apontam para cerca de 35% de crescimento. Em Agosto de 2020 as insolvências aumentaram em Portugal 64,5% face ao mês homólogo, pelo que a sinistralidade aumentará, certamente, no último trimestre de 2020.
Mais do que nunca, as empresas devem proteger o seu activo mais importante, garantindo que a sua liquidez não é afectada por via de incobráveis.
Que soluções devem as empresas procurar hoje para atravessar esta pandemia com maior segurança?
Com o início da retoma, entendo que as prioridades das empresas vão passar pela manutenção da liquidez em níveis pré- -crise, acelerar o crescimento do volume de negócios e manter intactas as cadeias de abastecimento.
O seguro de crédito terá um papel importante como alavanca destas prioridades. Na Universalis, oferecemos várias soluções de incremento de liquidez, quer para empresas expostas a clientes privados, quer para aqueles que estão expostos a empresas públicas. No âmbito do seguro de crédito, as soluções são variadíssimas, adaptadas às necessidades de cada empresa. A procura por novos clientes e a vigilância activa dos actuais devem estar no topo das prioridades das empresas.
O que pode significar para as empresas portuguesas um eventual agravamento desta situação, nomeadamente uma segunda vaga de contágio?
Caso exista uma segunda vaga da pandemia, a economia portuguesa pode cair 13,1%, segundo dados do Banco de Portugal.
Os efeitos desta pandemia tenderão a ser muito severos na economia: as estimativas apontam para uma taxa de desemprego a subir para os 10,1%, um aumento de 35% nas insolvências e um consumo privado a cair 8,9%. A balança comercial e de serviços volta a ser deficitária em 2020, o que já não acontecia desde 2011. O cenário já é deveras duro para a maioria das empresas portuguesas. Uma segunda vaga só agravaria o cenário, adiando investimentos e acentuando o nível de incobráveis.
De qualquer modo, uma crise tem sempre o lado do perigo e o lado da oportunidade. Temos empresários muito resilientes e, tal como Charles Darwin se referia à evolução das espécies, dando nota que as que sobrevivem não são as mais fortes, nem as mais inteligentes, mas sim aquelas que melhor se adaptam às mudanças, o mesmo se passará com as empresas.
Para o sector dos seguros esta pandemia é um risco ou uma oportunidade?
Esta crise resultante da pandemia de Covid-19, por um lado, comporta riscos para o sector segurador, nomeadamente pela redução da actividade económica e, como tal, uma redução de prémios de seguros em alguns ramos. Por outro lado, uma crise traz sempre oportunidades e na Universalis continuamos optimistas.
Em primeiro lugar, esta crise está a trazer crescimentos significativos em algumas linhas de negócio, como é o caso do seguro de crédito, caução ou seguros de Cyber Risks.
Em segundo lugar, do lado da mediação, acentuar-se-á a concentração que tem vindo a ocorrer no sector.
Na Universalis estamos atentos e preparados para aproveitar as oportunidades que irão surgir no mercado e disponíveis para continuar a fazer aquisições nas geografias onde estamos presentes.