“Um líder deve viver num sistema aberto de crenças”: João Ramos, CEO da Caetano Auto

Poderia dizer-se que a vida de João Ramos, CEO da Caetano Auto, é como que tridimensional, entre o gabinete de arquitectura que fundou com a mulher, as corridas de automóvel que não dispensa e de onde continua a trazer muitos ensinamentos para o seu lado empresarial, e a gestão da empresa que lhe foi legada pelo pai. Mas é neste conjunto de vivências e aprendizagens que tem vindo a aprender e crescer, a perceber que é no todo e com o trabalho de todos que se ganha, que ouvir, delegar e estar próximo são determinantes para que a corrida não pare e se continue a chegar, sempre, à pole position. Um trabalho que, diz, quer continuar a fazer! Acompanhe as suas lições e aprendizagens enquanto líder e gestor de pessoas, naquela que foi uma conversa mais “intimista” com a Executive Digest, em jeito de recordação do seu caminho para CEO. 

Qual foi o seu primeiro emprego e como influenciou a sua carreira?
Foi na Câmara Municipal de Gaia, no departamento de obras municipais. Esta experiência teve um impacto importante na minha carreira, pois independentemente da área ou função, permitiu-me desenvolver competências essenciais como lidar com pessoas e trabalhar em equipa. Trabalhar na Câmara de Gaia ajudou-me a compreender a importância de construir uma carreira sólida, explorando diferentes áreas e funções. Mais tarde, criei o meu próprio gabinete de arquitectura, tendo sido o grande salto entre a criatividade e a gestão.
Passado alguns anos, o meu pai convidou-me para trabalhar na Toyota Caetano Portugal. Aconselhou-me que começasse no “chão de fábrica” e que fosse, mais tarde, percorrendo as diferentes áreas de vendas e após-venda, para ganhar uma visão global da empresa. Sem dúvida, que este foi um momento-chave! Comecei a trabalhar na fábrica de Ovar, acompanhando a dinâmica do processo da linha de montagem. Aprendi muito ao entender a empresa desde a sua base. Esta experiência, aliada a outras ao longo da minha carreira até hoje, ajudou-me e permitiu-me desenvolver uma visão completa e bastante integrada da empresa.
Claro que, depois de aceitar o convite, tive de reestruturar o meu Gabinete de Arquitetura (RARCON), pelo que decidi criar uma nova administração para assegurar a sua continuidade, com a qual me vou reunindo e acompanhando.
E a verdade é  que a RARCON é hoje uma empresa de sucesso, já com 21 anos, graças à qualidade e dedicação de toda a equipa.

Quais foram os principais desafios ao longo da sua trajectória profissional?
Não existe um em concreto, sempre encarei todos os desafios. Acredito que enfrentar desafios é fundamental para o crescimento profissional e pessoal. Estas experiências moldaram a minha abordagem ao trabalho e à vida.

Pode partilhar um momento decisivo na sua carreira e que o ajudou a moldar as suas capacidades de liderança?
Um dos momentos decisivos da minha carreira, até ao momento, foi quando assumi a liderança da Caetano Auto.
Não só por sentir o peso da responsabilidade que o meu pai me confiou, mas também pelo facto de liderar uma organização com um passado forte, um nome cimentado no mercado e um universo de profissionais que muito fizeram e seguramente que muito continuarão a fazer pela nossa organização. Obviamente que não posso negar o peso de toda esta responsabilidade, mas, ao mesmo tempo, uma honra e um orgulho enorme por ter a possibilidade de o fazer. 

Há experiências que terão sido cruciais para alcançar a posição de CEO?
Desde o convite do meu pai para trabalhar na Toyota, passando por diversas áreas da empresa, cada uma contribuiu para o meu desenvolvimento como líder. Não foi uma experiência específica, mas, sim, um conjunto de vivências que foram essenciais. Essas diferentes experiências, quer do ponto de vista humano, técnico, financeiro e intelectual, fizeram de mim o líder que sou hoje. Ainda tenho muito para aprender. E esse é um desafio que lanço a mim mesmo diariamente. No final do dia, fazer o balanço daquilo que de novo aprendi e como poderei colocar essa aprendizagem ao serviço da Caetano Auto.

Como equilibrou a ambição de ascender na carreira com outras responsabilidades pessoais e profissionais?
É um desafio constante. Todos enfrentamos momentos difíceis na vida, e manter esse equilíbrio é uma luta contínua. Se, por um lado, é importante investir na carreira, com toda a responsabilidade que isso acarreta, nunca poderemos es-
quecer um dos grandes bastiões da minha vida: a minha família. O apoio da família é crucial, mas também é importante delegar e ter uma equipa que apoie. A família e a equipa precisam estar em sintonia, respeitando-se mutuamente. Isto é essencial para qualquer situação da vida. E é igualmente fundamental aceitar que em determinados momentos, teremos de investir mais tempo e energia num destes pilares.
É importante que esse seja um processo consciente. Uma comunicação clara e transparente com todos os envolvidos é factor-chave para manter esse equilíbrio.

Definiria liderança…
Para mim, a verdadeira definição de liderança reside no facto de conseguirmos potenciar o melhor de cada colaborador de forma que ele sinta e viva cada momento passado ao serviço da organização, como sendo único e que está a contribuir para algo que é superior a todos nós.
Gosto de ter bem presente que todos devemos ter um verdadeiro alinhamento na procura máxima de três patamares de objectivos: objectivo primário, natural e social. O objectivo primário prende-se com o pensamento constante de melhoria contínua no sentido de optimizarmos processos para, dessa forma, mais facilmente conseguirmos atingir as métricas definidas e assegurarmos a sustentabilidade económica e financeira da organização. Isso só será conseguido com
o envolvimento de todos e que todos tenham uma noção consciente de que cada função, desdobrada nas diferentes tarefas, está a acrescentar valor para a organização e os accionistas. O objectivo natural é uma prioridade máxima: assegurarmos que temos reunidas as condições necessárias para elevarmos a qualidade de vida de todos aqueles que fazem parte da organização. Com orgulho afirmamos que somos uma empresa de pessoas para pessoas. E mais do que o afirmarmos, gostamos de o sentir e ver esse sentimento espelhado em todos aqueles que nos rodeiam. Estamos conscientes das nossas responsabilidades e do impacto que as nossas decisões têm e poderão vir a ter na qualidade de vida dos nossos e das suas famílias. Por último, não podemos esquecer que, hoje, somos o que somos porque o mercado reconhece a excelência do nosso trabalho. E, como tal, é nossa obrigação retribuir. E retribuímos, contribuindo para uma sociedade melhor, mais justa e mais humana. Uma sociedade em que cada um possa almejar o alcançar dos seus objectivos, tendo por base um leque de oportunidades. Gostamos de pensar que, à nossa dimensão, contribuímos para que isso aconteça. 

Diria que há qualidades ou skills principais que um líder deve ter?
Tendo por base o mercado dinâmico e competitivo em que vivemos actualmente, a principal qualidade que um líder deve possuir é a sua flexibilidade situacional. O líder flexível não analisa as coisas em função do que ele pensa que elas deveriam ser, mas como elas são na realidade. E essa será sempre a primeira grande missão de um líder: retratar a realidade na qual está inserido.
Não nos podemos identificar com as causas perdidas, mas com os objetivos que estão a ser alcançados. É, essencialmente, um optimista acerca de si mesmo e das situações e gasta mais tempo na preparação e decisão das mudanças do que na sua implementação.
Deveremos estar conscientes de que para sermos eficazes é necessária uma grande amplitude de respostas. É necessário ser sensível às outras pessoas, aceitar as diferenças como normais e até mesmo necessárias. Gostaria igualmente de salientar alguns pontos-chave que complementam a flexibilidade situacional. Em primeiro lugar, uma alta tolerância à ambiguidade. Temos de nos sentir confortáveis em situações não-estruturadas, ou seja, em situações em que algumas variáveis do passado, presente ou futuro não são suficientemente conhecidas ou definidas e lidar de forma ponderada com as mudanças rápidas e inesperadas.

Um outro aspecto que considero fundamental é a insensibilidade ao poder. Quero com isto salientar a capacidade para escutar colaboradores, envolvê-los nos processos de decisão e trabalhar num processo de cocriação, em que a responsabilidade das decisões tomadas é partilhada por todos, bem como o mérito dos resultados obtidos. Considero igualmente que um líder deve viver num sistema aberto de crenças, que está preparado para ver novos pontos de vista e ser influenciado. Deverá ter uma visão global da realidade na qual está inserido e não deverá alocar tempo e energia na procura de não evidências que confirmem crenças prévias.
Por último, o líder deverá ser servidor e dirigido para os outros. Estar interessado em participar e levar os seus colaboradores à participação, à análise, planeamento e tomada de decisões. Olhar os colaboradores como pessoas, como sendo capazes de dar elevados contributos e não como simples subordinados. Estas são, para mim, as principais qualidades que um líder deve possuir e pelas quais diariamente procuro pautar o meu trabalho.

Enquanto líder, já cometeu algum um erro significativo? O que aprendeu com ele?
Aprendi a dar ênfase ao meu crescimento e evolução no que ao saber escutar diz respeito. Fruto da velocidade a que tudo ocorre, reconheço que nem sempre destinava o tempo suficiente para dar a devida atenção à equipa e aquelas que eram
as suas necessidades. E esse é um aspecto, que aos dias de hoje, reconheço como sendo fundamental num líder. Todos gostamos de ser reconhecidos e escutados e as equipas, como um ecossistema com dinâmicas próprias, não são excepção. Aprendi que é fundamental escutar para compreender melhor as diferentes perspectivas, o que resulta numa liderança mais eficaz.

Nesse sentido, tem alguma abordagem para motivar e inspirar a sua equipa?
Em primeiro lugar, assumir e respeitar a individualidade de cada um. É fundamental termos presentes que pessoas diferentes possuem diferentes percepções da realidade na qual estão inseridos. E é normal que assim seja, dado que todos possuímos personalidades, experiências e motivações diferentes. E negar este facto é negar uma evidência clara. Gosto de estar consciente do princípio da complementaridade em que a força de um elemento deve sempre ser visto como um complemento à fraqueza de alguém e não uma ameaça à sua posição. Mais do que inspirar a equipa pelo exemplo, pretendo que sejam criadas as condições para que cada elemento da equipa se descubra a si mesmo. Afinal de contas, esse é um dos grandes propósitos da liderança: o sucesso é sobre o crescimento dos outros.

Quais as suas principais prioridades para a empresa nos próximos anos?
A Caetano Auto tem bem claras as suas prioridades para os próximos anos. Primeiro, continuar a investir na transformação digital e e-commerce, ou seja, desenvolver e optimizar plataformas de e-commerce para facilitar a compra de veículos e peças online. Isso inclui a criação de sites intuitivos, com opções de configuração personalizada, tours virtuais dos veículos e simulações de financiamento. Estaremos igualmente focados na melhoria da interacção e suporte ao cliente, e como tal, iremos continuamente integrar chatbots, aplicativos móveis e sistemas de CRM para que isso aconteça.
Um outro aspecto merecedor da nossa melhor atenção é o foco na Sustentabilidade. Teremos igualmente presente a importância de educar os clientes sobre os benefícios e incentivos fiscais associados aos veículos mais sustentáveis. Também as práticas sustentáveis estarão constantemente presentes: implementar práticas sustentáveis nas operações diárias, como a gestão eficiente de resíduos, reciclagem e uso de energia renovável nas instalações. Exemplo disso, a implementação de painéis fotovoltaicos nas instalações da Caetano Auto. Esta acção resulta numa redução anual total de CO2 de 45%, que equivale a energia para 345 casas durante um ano.

Uma outra prioridade nossa e que estará sempre presente na nossa agenda é a melhoria da experiência do cliente, com a prática do serviço personalizado. Queremos cada vez mais oferecer uma experiência de compra personalizada, utilizando dados e análises para entender melhor as preferências e necessidades dos clientes, o que passa por programas de fidelização, atendimento pós-venda e serviços adicionais como manutenção programada e assistência em tempo real. Fortalecer os serviços de pós-venda é fundamental, de forma a garantir a satisfação contínua do cliente após
a compra.
Paralelamente, é essencial continuarmos a apostar na formação das pessoas que trabalham na empresa. Valorizamos especialmente a formação em profissões que têm sido menos procuradas, como é o caso da profissão de chapeiro.
Com o foco nestas três prioridades, acreditamos que a Caetano Auto se irá posicionar de forma competitiva, atender às expectativas dos clientes e contribuir para um mercado mais sustentável
e inovador.

Como desenvolve e comunica a visão estratégica da empresa?
Antes de tudo, é preciso dar resposta a três perguntas-chave: porquê esta visão, onde nos irá levar e como iremos fazê-lo? Todo este processo terá de estar assente numa comunicação clara e transparente. Onde estamos, o que procuramos e como vamos fazê-lo. E esta comunicação deverá ser consistente e congruente de forma que a visão estratégica faça parte do quotidiano de cada um de forma natural, como sendo parte da sua segunda natureza.
Um outro factor crítico é envolver e capacitar todos os colaboradores no processo de mudança. Solicitamos ideias e sugestões, dar lugar a participar do planeamento e da tomada de decisões, dando-lhes oportunidades de aprender novas competências, e reconhecendo e recompensando as suas contribuições e conquistas. Desta forma teremos um maior envolvimento e compromisso da parte de todos.
Para além disso, é fundamental ser dado o exemplo da visão definida tendo por base as acções e os comportamentos diários. Temos de mostrar continuamente o entusiasmo pela visão definida, que estamos dispostos a correr riscos e a aprender com os erros, que estamos abertos a feedback e melhoria, e que somos solidários e respeitosos com o esforço das equipas. Ao fazermos isso, acredito que teremos a capacidade para inspirar e influenciar todos aqueles que da organização fazem parte e, dessa forma, mais facilmente se alinharem com a visão definida.

Como toma decisões importantes, especialmente em tempos de incerteza?
É um processo que envolve ponderação e riscos calculados. É fundamental integrar a equipa no processo de decisão, escutar as suas opiniões e analisar todas as possibilidades. A decisão, mesmo que arriscada, deve ser tomada com coragem, sabendo que podemos aprender com os erros e melhorar continuamente.

Algum conselho que daria a alguém que aspira tornar-se um CEO?
Ser próximo e saber escutar. Estar próximo das pessoas e compreender as suas necessidades é crucial. Além disso, escolher estar rodeado de pessoas que acrescentem valor e manter sempre uma comunicação aberta e honesta. Ter sempre na sua agenda três princípios basilares: ter as pessoas certas; ter as pessoas certas a fazer as coisas certas no lugar certo e por último, saber lidar com as pessoas certas. Mas acrescentaria ainda algo que considero fundamental: bom senso.

E houve um mentor ou figura influente que teve um impacto significativo na sua carreira?
Sem dúvida que os meus pais foram os meus maiores mentores. Desde cedo, ensinaram-me a ter responsabilidade e a participar nas diversas tarefas domésticas, o que desenvolveu o meu sentido de responsabilidade e capacidade para enfrentar desafios. Estes ensinamentos foram fundamentais para a minha formação como líder. Na verdade, o sinal mais evidente daquilo que serão os nossos resultados no futuro são os nossos comportamentos no presente. Os meus pais sempre tiveram essa consciência e incutiram em mim essa noção de responsabilidade, onde os nossos resultados e aquilo que alcançamos são fruto do nosso trabalho e do rigor e brio que colocamos no mesmo. E, isso, é algo pelo qual lhes ficarei eternamente grato.

Se pudesse voltar no tempo, há algo que faria de forma diferente na sua trajectória profissional?
Talvez fizesse algumas coisas de maneira diferente, mas é difícil apontar algo de concreto. Acredito que cada experiência contribuiu para a minha formação. No entanto, é importante lembrar que não existem máquinas do tempo, e todas as experiências, boas ou más, moldaram quem sou hoje. Somos fruto das pessoas e experiências com as quais vamos convivendo ao longo da vida. Seguramente que se tivesse mudado algo ou tomado outras decisões, o resultado hoje seria outro. Melhor ou pior, ninguém saberá responder. Seria seguramente diferente.

Qual o legado que espera deixar enquanto líder da empresa?
O que mais gostaria era de conseguir deixar um legado que inspire as pessoas.
Da mesma forma que fui inspirado pelo legado do meu avô, quero que as pessoas olhem para trás e que consigam ver algo positivo, algo que motive e que perpetue os valores e práticas que considero importantes.
No fundo, o que quero é que o meu legado seja uma fonte de inspiração para que outros continuem a procurar o melhor e a alcançar os seus objectivos. 

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