Ucrânia: mais de dois anos após o início da guerra, como é que a população se tem adaptado?

A Ucrânia entrou já no terceiro ano da guerra, desde que a Rússia iniciou a sua invasão, em fevereiro de 2022: o que se esperou ser uma ‘blitzkrieg’ transformou-se numa guerra de desgaste, responsável já pela morte de milhares de soldados ucranianos e mais de 10 mil civis.

E como se adapta a população a um conflito sem fim à vista? Em Kiev e no Donbass, de acordo com a ‘Euronews’, os relatos da população evidenciam um facto: o conflito já se tornou parte do quotidiano. “O meu marido está na zona de combate há dois anos. Durante todo este tempo, só teve 30 dias de férias. Os nossos homens deviam ser substituídos, deviam ter tempo para descansar. E depois disso, se quiserem voltar, tudo bem”, explicou a ucraniana Antonina.

Em fevereiro último, debaixo de chuva, Antonina e algumas dezenas de mulheres reuniram-se em Kiev para se manifestarem a favor da redução do tempo de serviço dos soldados mobilizados na linha da frente desde os primeiros dias do conflito. As ausências dos combatentes é sentida, mas é tratada de formas diferentes: há quem escolha todos os sábados, num local secreto nos arredores de Kiev, acompanhar sessões de treino militar, ministradas pela ‘Valquíria ucraniana’.

A fundação foi criada por Daryna Trebukh, após a retirada das tropas russas da região de Kiev, em março de 2022. “Depois do que aconteceu em Bucha e Irpin, as nossas mulheres estavam indefesas, estavam sob ocupação e não sabiam como se proteger. Por isso, decidi criar esta escola de sobrevivência, para ensinar as mulheres a protegerem-se.”

A convicção é generalizada: a guerra vai ser prolongada, revelou Kateryna, cujo marido está na linha da frente há dois anos. “A minha filha vai fazer 14 anos dentro de alguns meses, idade em que lhe é permitido começar a treinar militarmente, não com armas verdadeiras, mas com bolas de ataque, por exemplo”, explicou, no final de um exercício de tiro. “Gostava que não fosse assim, mas a guerra pode muito bem fazer parte do futuro dela.”

A adaptação à guerra na sociedade ucraniana tem vários exemplos: tome-se nota dos estudantes ucranianos. Num dos laboratórios de investigação do prestigiado Instituto Politécnico de Kiev, Ivan, de 20 anos, e a sua equipa ocupam-se a montar uma maca eletrónica que pode ser controlada à distância, para ser utilizada no transporte de soldados feridos para longe da linha da frente.

“São precisas três ou quatro pessoas para transportar um soldado ferido com equipamento mas, com isto, basta colocá-lo na maca e afastá-lo à distância”, indicou Ivan. Para além de participarem no esforço de guerra, os estudantes têm ambições para o futuro. “Estamos a adquirir competências com este projeto. O meu sonho é desenvolver a Ucrânia, criar empresas modernas que produzam coisas novas e competitivas. Temos um enorme potencial”, acrescentou.

Essa adaptação abriu a porta a novos setores de atividade: o melhor exemplo são as centenas de fabricantes de drones que surgiram em solo ucraniano nos últimos dois anos. Como a Airlogix, de cuja fábrica saem mensalmente cerca de 30 drones de vigilância e reconhecimento.

“Permitem que as nossas forças armadas voem até às linhas inimigas e identifiquem o equipamento inimigo, como o sistema de defesa aérea, a guerra eletrónica, o arsenal, os armazéns, etc”, explica o diretor executivo da empresa, Vitalii Kolisnichenko. “É preciso ser tecnologicamente avançado nesta guerra. Consideramos que os drones são a chave para a nossa vitória.”

O pensamento, no entanto, não é só a guerra. Este desenvolvimento tecnológico, a longo prazo, pode também ser um trunfo fundamental para a futura economia do país, explicou Kolisnichenko. “Penso que a Ucrânia acabará por se tornar o centro das tecnologias não tripuladas, para todo o mundo.”

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