Ucrânia está pronta para um acordo de paz com Moscovo (mas não para a versão de Putin)

Cresce a pressão a nível diplomático para o reinício de conversações de paz entre Kiev e Moscovo, enquanto a Ucrânia tem tido dificuldades em travar a ofensiva russa no leste do país. Em junho, a Suíça deverá acolher uma cimeira internacional de alto nível para tentar traçar um caminho para a paz. Na reunião, salientou esta segunda-feira o jornal ‘POLITICO’, haverá discussões mais sérias de como pôr fim à guerra – ainda que haja muitas vozes que defendem haver poucos motivos para iniciar conversações com Vladimir Putin, que tem demonstrado pouco respeito pelas normas internacionais ou o Estado de Direito.

A Rússia, nesta fase, não foi convidada para o encontro a ser organizado pela Suíça. Sergei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, acusou o Ocidente de fazer campanha para persuadir o maior número possível de países a participar, constrangendo desta forma Moscovo. A China já avisou que não participará se a Rússia não estiver representada.

O Kremlin tem feito passar a mensagem: está aberto a negociações de paz, culpando Kiev e o Ocidente de não pretender uma solução. Dmitry Peskov, porta-voz da presidência russa, salientou que essas negociações poderiam constituir a base para novas conversações – embora tenha acrescentado que estas têm de refletir “novas realidades”, presumivelmente em referência aos recentes ganhos militares russos.

A proposta de 2022 – interrompida conforme vieram à tona as atrocidades de Bucha e Irpin – tornou-se entretanto objeto de muito interesse académico e mediático. Apesar de ter afastado as forças russas de Kiev, o projeto de 2022 foi negociado quando a Ucrânia ainda estava em desvantagem, com perspetivas militares instáveis .

As principais disposições eram que a Ucrânia não aderiria à NATO e que se comprometeria a ser um “Estado permanentemente neutro que não participa em blocos militares”. Exigia que a Ucrânia limitasse drasticamente o tamanho das suas forças armadas e teria deixado a Crimeia sob o controlo russo de facto. No entanto, a Ucrânia ainda seria autorizada a prosseguir a adesão à UE, enquanto as questões territoriais – incluindo o futuro a longo prazo da Crimeia e o estatuto do Donbass ocupado – seriam deixadas para Putin e o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky decidirem em reuniões subsequentes, o que, obviamente, nunca aconteceu.

O acordo deveria ser garantido por potências estrangeiras, listadas como EUA, Reino Unido, China, França e Rússia. E teriam a responsabilidade de defender a neutralidade da Ucrânia caso o tratado fosse violado.

De acordo com os académicos Samuel Charap e Sergey Radchenko, o facto de as partes em conflito terem conseguido apresentar este projeto “refuta a noção de que nem a Ucrânia nem a Rússia estão dispostas a negociar ou a considerar compromissos para pôr fim a esta guerra”. Sustentaram ainda que o facto de Putin estar pronto para aceitar a adesão da Ucrânia à UE foi “nada menos que extraordinário”, especialmente considerando que ele pressionou o antigo presidente ucraniano, Viktor Yanukovych, a recuar num acordo de associação com a UE em 2013.

No entanto, há outras leituras: a principal, o facto de a Ucrânia se tornar “um Estado castrado”, que reflete os sentimentos das autoridades ucranianas sobre a possibilidade de um acordo de paz. Estas autoridades sublinharam que o país estava a negociar a partir de uma posição de extrema fraqueza, enquanto as potências ocidentais hesitavam sobre como apoiar a Ucrânia, defendeu Oleksii Reznikov, antigo ministro da Defesa da Ucrânia e um dos dos negociadores.

“O presidente Zelensky esteve na Conferência de Segurança de Munique poucos dias antes da invasão russa”, disse Reznikov ao ‘POLITICO’. “Fui membro da delegação em Munique, e havia essa atmosfera, esse ambiente de desistência”, lembrou. No entanto, vários responsáveis envolvidos nas conversações – entre eles o chefe do gabinete do presidente da Ucrânia, Andriy Yermak, e o seu conselheiro Mykhailo Podolyak – também duvidaram da sinceridade do Kremlin

“Eles podem assinar documentos, mas se cumprirão os acordos é outra questão”, disse Reznikov. “Lembrem-se do Memorando de Budapeste”, acrescentou, referindo-se ao acordo de 1994 que a Rússia assinou, fixando as fronteiras da Ucrânia e reconhecendo a sua soberania em troca da renúncia ao seu arsenal nuclear. “O presidente francês Mitterrand recusou-se a adicionar a sua assinatura a este documento… e avisou o nosso presidente [Leonid Kuchma], ‘Jovem, eles vão enganar-te.'”

“Negociações? Eles não querem negociações reais”, garantiu Yermak. “Os russos querem a capitulação da Ucrânia.” “Estaríamos novamente na mesa de negociações se o agressor estivesse pronto, realmente pronto, para chegar a um acordo sobre uma paz justa – mas não para a sua versão de paz”, sustentou.

De acordo com Kiev, para o líder da Rússia as negociações são apenas mais uma arma de guerra. Para Podolyak, a lição a tirar das negociações de 2022 é que “a Rússia está interessada numa guerra longa e que os países ocidentais se cansem e digam: ‘É isso, vamos procurar algum tipo de solução de compromisso.'”

“Chegamos a um ponto em que não é mais possível sentar e negociar. Por que? Porque esta guerra não é sobre o território da Ucrânia. Esta é uma guerra sobre as regras sob as quais viveremos, e a Rússia viverá. Se a Rússia não perder, as regras serão um pouco diferentes. Autocracia, violência – estas serão as formas dominantes de política externa. Se a Rússia perder, teremos a oportunidade de reconstruir o sistema global de relações políticas e de segurança”, concluiu.

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