Turquia é o ‘pit stop’ de Putin para vender combustível ‘camuflado’ na UE: brecha nas sanções vale 3 mil milhões de euros ao Kremlin

A Turquia transformou-se no ‘pit stop’ de Vladimir Putin para vender combustível camuflado à União Europeia, denunciaram esta quarta-feira o Centro de Pesquisa sobre Energia e Ar Limpo (CREA) e os think tanks do Centro para o Estudo da Democracia (CSD), citados pela publicação ‘POLITICO’, que apontam uma conclusão: o petróleo russo está a chegar em massa à UE através da Turquia.

A questão? É que é tudo legal: o esquema é possível devido a uma solução alternativa nas sanções de Bruxelas, que permitem a entrada de combustíveis ‘misturados’ da UE se forem rotulados como não russos. Esta é uma lacuna lucrativa, que rendeu até 3 mil milhões de euros para o Kremlin, isto a partir apenas de três portos, um ano depois de a União Europeia ter proibido os combustíveis russos.

“A Turquia emergiu como uma paragem estratégica para os combustíveis russos reencaminhados para a UE, gerando centenas de milhões em receitas fiscais para o fundo de guerra do Kremlin”, alerta Martin Vladimirov, analista sénior de energia do CSD.

Esta é mais uma das soluções criativas como a Rússia está a contornar as sanções da UE para proteger o seu comércio de combustíveis fósseis, que representa quase metade do orçamento do Kremlin e é uma tábua de salvação vital para a sua campanha militar.

O aumento do comércio Moscovo-Ancara tem azedado as relações entre a UE e a Turquia, mesmo que tenha havido pequenos movimentos para se alinhar com as sanções do EUA: desde o início do conflito na Ucrânia, a Turquia ofereceu-se para se tornar um centro de gás para Moscovo, ao mesmo tempo que absorve grandes volumes do seu petróleo.

“Devemos apertar as nossas restrições e encontrar formas de evitar que as sanções sejam contornadas”, alerta o ministro dos Negócios Estrangeiros da Estónia, Margus Tsahkna. “Países terceiros, especialmente os nossos aliados da NATO [como a Turquia], devem alinhar-se com as nossas sanções tanto quanto possível.”

Adicionar combustível ao fogo

Antes da invasão de Moscovo, a UE dependia da Rússia para um quarto das suas importações de petróleo bruto e 40% das suas compras de gasóleo – algo que mudou drasticamente depois de o bloco ter concordado com uma proibição geral de ambos os produtos em 2022.

Nessa altura, a Turquia começou a aumentar discretamente as suas próprias importações de combustíveis da Rússia, ao mesmo tempo que aumentava as suas exportações de combustíveis para a UE. Em 2023, os números quase coincidiram – já entre fevereiro de 2023 e fevereiro de 2024, a Turquia aumentou as suas compras russas em 105% em comparação com os 12 meses anteriores. Nesse mesmo período, as exportações de combustíveis da Turquia para a UE aumentaram 107%.

Não quer dizer, no entanto, que todas as cargas de combustível que chegam à UE provenientes da Turquia sejam russas: a Turquia possui refinarias que podem processar quase um milhão de barris de petróleo por dia. E as empresas turcas também estão provavelmente a revender algum combustível não russo à UE. Mas, dada a situação geográfica de vários portos turcos, combinada com dados de importação e exportação, indica fortemente que quantidades consideráveis de combustível russo foram simplesmente repassadas.

Veja-se o caso do porto de Ceyhan: entre fevereiro de 2023 e 2024, absorveu cerca de 22 milhões de barris de combustível, 92% dos quais vieram da Rússia – o triplo da quantidade importada de Moscovo no ano anterior. Durante o mesmo período, 85% das exportações de combustível do porto foram para a UE.

Há histórias semelhantes em dois outros portos: a instalação ocidental de Marmara Ereğlisi e a unidade meridional de Mersin – ambas registaram picos anuais semelhantes nas suas importações russas, que coincidiram com um salto nas exportações para a UE.

Parte do problema está nos testes que Bruxelas utiliza para garantir o cumprimento das sanções: de acordo com as regras da UE, as cargas contendo combustível russo misturado com produtos de outros lugares “poderiam estar sujeitas à sanção dependendo da proporção do componente russo”.

Normalmente, essa percentagem é definida pelo facto de os combustíveis terem sofrido uma “transformação substancial” – tornando-se um produto inteiramente novo.

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