Tratamento brutal dos migrantes nos campos choca Itália: morte de indiano devido ao calor escaldante revela condições desumanas de trabalho

A morte de um colhedor de flores, sob temperaturas de cerca de 40°C, deixou Itália em choque com os relatos de tratamento “brutal” de migrantes que trabalham em quintas por todo o país: dezenas de milhares de migrantes vão para os campos colher tomates e outras culturas por todo o país, numa altura em que Itália tem estado ‘mergulhada’ em ondas de calor consecutivas desde meados de junho.

De acordo com a Sociedade Meteorológica Italiana, as temperaturas médias do verão em Itália entre junho e agosto aumentaram 1,5°C nos últimos 30 anos, de 1994 a 2023. O calor sufocante trouxe um novo e mortal risco para os trabalhadores mal pagos, durante horas ao ar livre, para colher frutas e vegetais.

A morte de Dalvir Singh, que trabalhava numa quinta de flores, deu-se a uma combinação de calor extremo no verão e uma carga de trabalho pesada: o homem, de 54 anos, foi encontrado morto no passado dia 16 num campo perto da cidade de Latina, no centro de Itália. De acordo com os companheiros de trabalho, citados pelos britânicos ‘The Guardian’, nunca ficou doente “e era um homem gentil que sempre trabalhou duro”.

Singh enviava remessas monetárias regulares para a sua família em Punjab, no norte da Índia: tinha planos para regressar a casa nos próximos anos pois achava cada vez mais difícil trabalhar nos campos todos os dias conforme envelhecia – o seu filho e genro estão agora a tentar levar o seu corpo de volta para a Índia.

Não se sabe quantos trabalhadores ficaram feridos ou morreram devido ao calor extremo em Itália neste verão: no entanto, estima-se que o país tenha tido o maior número de fatalidades na Europa devido às altas temperaturas, com mais de 12 mil óbitos. Segundo o órgão italiano de saúde e segurança, acidentes de trabalho atribuíveis ao calor quase nunca são classificados como tal, mas sim como desmaios, quedas ou algo semelhante.

A maioria dos que trabalham nos campos são migrantes de países como a Índia e a África subsaariana. Apesar dos milhares de milhões de euros em receita gerados pela lucrativa indústria alimentícia transalpina, quem colhe tem baixos salários, longas horas e falta de direitos de trabalho. Muitos vivem em guetos ou prédios abandonados, com os empregos controlados por gangues que recrutam e ficam com parte dos seus salários, garantem os sindicatos – de acordo com os ativistas italianos, muitos gangues que exploram trabalhadores não têm problema em forçá-los a trabalhar em qualquer condição de calor, com muitos a fazerem turnos de 10 e 14 horas por dia.

Em julho último, a polícia italiana descreveu mais de duas dúzias de migrantes indianos resgatados de uma quinta no centro de Itália como tendo sido “reduzidos à escravidão” devido a dívidas, confisco dos seus passaportes e moradias precárias – no mês anterior, um trabalhador rural morreu quando terá sido deixado numa estrada pelo seu empregador após um acidente em que viu o seu braço decepado.

Pelo menos 30 pessoas desmaiaram em Agro Pontino (uma área de terras agrícolas recuperadas no centro da Itália, a cerca de 64 quilómetros de Roma) devido ao calor desde junho, denuncia Marco Omizzolo, sociólogo da Universidade La Sapienza de Roma. Em vez de chamar ambulâncias ou fazer relatórios médicos, o empregador ou chefe da gangue coloca o trabalhador na sombra, com água fria ou café, antes de permitir que regresse ao trabalho.

Outra morte com paralelo à de Singh foi a de Famakan Dembele, de 28 anos, um colhedor de tomates na província de Foggia, no sul da Itália, que morreu a 7 de agosto do ano passado.

Depois de terminar o seu turno, após um dia escaldante, Dembele foi lavar-se numa das casas de banho partilhadas num gueto não longe de Foggia, onde vivia com cerca de 2 mil outros trabalhadores rurais. Os migrantes, na sua maioria africanos, tinham poucas instalações: sem água encanada, sem eletricidade ou saneamento. Apenas um tanque de água reabastecido diariamente por um camião. E moradias improvisadas, montadas com materiais reciclados.

Dembele, nascido no Mali, chegou ao gueto vindo de Paris apenas alguns dias antes, atraído para Foggia, como milhares de outros migrantes, para trabalhar na colheita de tomates da região, com grande parte enlatada e enviada para lojas e supermercados em todo a Europa.

A causa da morte permanece desconhecida, mas os trabalhadores insistem que morreu devido ao calor extremo e exaustão: os trabalhadores geralmente são pagos pelo número de caixas ou grades de tomates que colhem, e ganham cerca de 35 euros por dia.

Ler Mais