Ter lucro é imoral???

Por Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati

Mas não é para isso que servem as empresas? Percebo que alguns políticos não façam ideia do esforço que custa criar empresas lucrativas mas se não vivemos na Coreia do Norte, então ter lucro não é nem ilegal nem imoral. Redistribuir recursos e sustentar o estado social já é feito através do pagamento de impostos, aliás dos maiores da Europa.

Imoralidade nos lucros só pode existir em 2 situações: ilegalidade na obtenção dos lucros (como cartelização, corrupção ou fuga aos impostos) e em monopólios quando há especulação.

Num mercado em funcionamento normal, com várias empresas no mercado, em que a autoridade da concorrência não identifica posições dominantes, ter lucro é normal. Se um cliente acha que os preços cobrados são caros, vai comprar ao concorrente. Chama-se oferta e procura. Aliás já caracterizado por um economista chamado Adam Smith, em 1759 no livro “Teoria dos sentimentos Morais” (e não imorais). Adam Smith, que alguns políticos deveriam ler, fundamenta a liberdade do mercado como fator fundamental para a sua auto-regulação. Como se uma mão invisível fizesse com que os preços dos produtos fossem “arrastados” pelo próprio mercado, conforme a procura. Mas para existir essa regulação automática e natural, não pode existir intervenção nenhuma de órgãos externos ou do governo. Este deve controlar e regular, garantindo a legalidade e ética. Ou seja o oposto de tudo o que vimos hoje com a aprovação da lei que regulamenta os chamados ‘windfall taxes’ sobre os lucros considerados excessivos, das empresas energéticas e de distribuição alimentar.

Por outro lado critica-se a distribuição (não o governo) de dividendos “astronómicos” aos acionistas, como se fosse acionistas por acaso. Mas não, são acionistas porque investiram o seu dinheiro e esperam ver o seu investimento remunerado. E se não o for, num mundo em que o dinheiro não tem nação, vão investi-lo noutro país, tornando o nosso mais pobre.

São contribuições de “solidariedade temporária” como lhes chama o governo. Mas se são “contribuições de solidariedade” não deveria ser voluntária? Afinal existe solidariedade coerciva?

E o “temporário” por norma torna-se “definitivo” nas decisões governamentais, como a taxa “extraordinária” que incide sobre as petrolíferas, banca e farmacêuticas desde 2014. Ou seja de “extraordinária” passou a “ordinária”, nos vários sentidos da palavra. E esta, será igual?

Por outro lado, a base tributável é calculada tendo em conta a média dos lucros das empresas desde 2018, sendo que aquilo que, em 2022, ficar 20% acima da média desses anos, será tributado em 33%. Quem definiu que 20% é a média de crescimento de lucro aceitável e moral quando temos 2 anos de pandemia na média de 4 anos? E nos anos seguintes, se o crescimento de livros for inferior ao racio que a lei definiu como esperada (20%) vai o estado pagar o que ficar em falta às empresas (deveria para ser consistente)? E 33% porquê? Que racionalidade está subjacente a estes valores?

E porque foi o governo além de Bruxelas e decidiu incluir a distribuição alimentar que não estava prevista nas indicações europeias?

Esta contribuição extraordinária é, nas palavras do governo, para ser “canalizada para apoiar a população mais desfavorecida”. Através do “reforço dos instrumentos contra a fome…”. Mas o saldo positivo de 5 253,1 milhões de euros cobrados a mais em impostos, até setembro pelas administrações públicas (DGO) do que o previsto no orçamento, não serviriam para sustentar estes instrumentos de apoio aos desfavorecidos? Certamente sim, pois segundo o ministro das finanças a contribuição deverá resultar em algumas dezenas de milhões de euros. A contribuição, provavelmente representará apenas 1% do que o valor que o estado arrecadou a mais em impostos.


E já agora, muito do valor desta cobrança acima do esperado corresponde ao IVA que penaliza os preços de todos os produtos, inclusive os mais básicos. Sendo assim, o estado está a penalizar todos os cidadãos, pois o IVA é uma percentagem fixa que incide sobre o preço. Quanto mais alto o preço base, mais alto o valor do IVA, mais alto o preço final. Preço final de um Ferrari ou de um quilo de batatas. Portanto o estado quer dar com uma mão e tirar com a outra?

Outra questão relevante tem a ver com a moralidade. Classificam de lucros imorais os gerados pelas empresas, mas o estado cobrar a mais do que o previsto um valor astronómico de 5 253,1 milhões de euros em impostos (a pobres e ricos), num país que tem dos mais altos impostos da Europa, não é um “lucro” e “cobrança” excessiva por parte do estado?

Finalmente é também referido que esta contribuição extraordinária serve para “apoiar as empresas do comércio mais afetadas pelo aumento dos custos e da inflação a tornarem-se mais resilientes”. Ora estando as empresas descapitalizadas, não seria mais inteligente isentar fiscalmente os lucros reinvestidos nas empresas, para incentivar a I&D, digitalização, industrialização eficiente, promoção, formação e retenção de talento, entre outros? Ou seja tornar a economia Portuguesa mais forte e competitiva? Aumentar o PIB?

São estas as dúvidas que me assolam em relação a esta contribuição extraordinária. Parece-me uma medida de curto prazo em lugar de uma decisão estratégica de dinamização da economia, revitalização salarial, crescimento económico e erradicação da pobreza. Ou seja, “acabemos com os ricos, em lugar de acabar com os pobres”!

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